Brasil fica em 42º lugar no ranking elaborado pela aliança internacional CIVICUS, atrás de vizinhos como Chile e Argentina
Por Nana Medeiros
O Brasil atingiu um modesto 42º lugar em um ranking internacional com países que oferecem o melhor ambiente para a livre atuação das Organizações da Sociedade Civil (OSC) – abaixo de outros países da América Latina, como Uruguai, Chile e Argentina. Trata-se do Índice de Ambiente Favorável 2013 (EEI, na sigla em inglês), pesquisa divulgada recentemente pela CIVICUS – Aliança Mundial para a Participação Cidadã, rede internacional de OSCs sediada na África do Sul.
O relatório, elaborado com a pretensão de ser um instrumento de reflexão, debate e incidência, questiona atuais políticas de acesso e participação, incentivando mudanças em nível global. Segundo Danny Sriskandarajah, Secretário Geral da CIVICUS, “apesar de inúmeras promessas de governos sobre proteger a sociedade civil, a maioria dos cidadãos em todo o mundo vive em ambientes nos quais não tem a possibilidade de participar plena e livremente nas atividades, organizações e movimentos que lutam para melhorar suas vidas e a sociedade em que vivem”.
Partindo da reflexão de que a democracia depende da possibilidade de participação dos cidadãos e cidadãs nos processos políticos e sociais do mundo, a pesquisa da CIVICUS estabeleceu um ranking a partir de três critérios: Sociocultural, Socioeconômico e Governamental. Tratados como “dimensões”, eles abrangem diferentes aspectos: educação, igualdade de gênero, comunicação, tolerância a diferentes grupos étnicos e religiosos, voluntariado, diálogo político, corrupção, contexto legal das ONGs, liberdade de imprensa, entre outros.
No caso brasileiro, embora seja um dos países mais tolerantes com a sociedade civil e possua um ambiente de governança comparável à Argentina, o país perde nas questões sócio-econômicas. “O sistema de educação brasileiro, os altos níveis de desigualdade econômica e também os altos índices de criminalidade que minam o Estado de Direito, assim como os baixos níveis de doações e voluntariado, contribuem para que o Brasil não tenha uma pontuação tão alta como a de seus vizinhos da próspera região Cone Sul”, explica Ciana- Marie Pegus, membro da equipe que elaborou a pesquisa da CIVICUS. Para ela, hoje, o enfrentamento da desigualdade econômica seria o maior desafio para o Brasil.
Ciana destaca ainda que os recentes escândalos envolvendo falsas organizações não-governamentais no Brasil também afetam fortemente a confiança na sociedade civil e, de acordo com o relatório, essa situação compromete a legitimidade desses atores, dificultando a existência de um ambiente favorável.
O secretario-geral da CIVICUS recorda as Jornadas de Junho, quando centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo o Brasil, para ressaltar a importância de um ambiente favorável para a atuação da sociedade civil.
“Nos últimos anos, temos assistido à revoltas populares, inclusive no Brasil, em 2013. Mas, também vimos muita repressão sobre a capacidade de mobilização dos cidadãos. Ao invés de minar a sociedade civil, precisamos de políticos que criem as condições que alimentam a ação cidadã e apoiem a sociedade civil. Somente quando tivermos comunidades fortes com organizações da sociedade civil fortes podemos ter uma democracia verdadeiramente sustentável”, avalia Danny Sriskandarajah.
Na entrevista abaixo, concedida ao Observatório da Sociedade Civil, a ativista Ciana-Marie explica a pesquisa e defende que a aprovação do Marco Regulatório das OSCs teria um “enorme impacto” no ambiente de atuação das organizações. “Um marco regulatório favorável facilitaria a formação de grupos da sociedade civil, assim como sua operação livre de interferências, para que possam expressar suas opiniões, se comunicar, se reunir, cooperar e buscar recursos”, avalia.
Leia os principais trechos da entrevista:
Quais foram as fontes consultadas no Brasil para realizar a pesquisa?
Índice de ambiente favorável para as OSCs foi baseado em 71 fontes de dados estatísticos preexistentes. Os dados da dimensão sócio-cultural são baseados em pesquisas representativas da população, refletindo as opiniões do povo brasileiro. As informações sobre a dimensão de governança são desenvolvidas através de consultas com diversos profissionais da sociedade civil brasileira e também pelas visões dos cidadãos comuns, obtidas através de pesquisas.
Porque o Brasil está nesta posição baixa no ranking, atrás de outros países latino-americanos com contextos culturais, políticos e econômicos semelhantes?
O Brasil tem um ambiente de governança comparável à Argentina e é um dos países mais tolerantes. No entanto, o sistema de educação brasileiro, os altos níveis de desigualdade econômica e também os altos índices de criminalidade minam o Estado de Direito, assim como os baixos níveis de doações e voluntariado. Esses fatores contribuem para que o Brasil não tenha uma pontuação tão alta como a de seus vizinhos da próspera região Cone Sul.
Quais são os principais desafios para um país como o Brasil melhorar seu ambiente para a sociedade civil?
Está claro que o Brasil precisa enfrentar a forte desigualdade econômica, a fim de avançar como nação. Além disso, há a necessidade de reconstruir a confiança na sociedade civil, particularmente à luz de recentes escândalos de corrupção envolvendo algumas OSCs falsas no Brasil. O relatório do Índice de Ambiente Favorável destaca que a falta de confiança nas OSCs compromete seriamente a legitimidade, o impacto e a força da sociedade civil.
No Brasil, existe uma forte demanda da sociedade civil por um marco regulatório favorável para as OSCs, permitindo uma relação mais transparente com Estado e entidades privadas. Isso ajudaria a melhorar o ambiente brasileiro?
Isso teria um enorme impacto sobre o ambiente das OSCs no Brasil, e iria se construir sobre diálogos multisetoriais produtivos que aconteceram na preparação para a Conferência Rio +20. Um marco regulatório favorável facilitaria a formação de grupos da sociedade civil, assim como sua operação livre de interferências, para que possam expressar suas opiniões, se comunicar, se reunir, cooperar e buscar recursos. Como coloca o relatório do Estado da Sociedade Civil, divulgado em abril de 2013, um marco regulatório favorável também significa um reconhecimento da sociedade civil como legítimo ator politico e social, e, portanto, garante oportunidades sistemáticas do trabalho conjunto entre instituições estatais e a sociedade civil.
Vários países latino-americanos têm altas pontuações nos critérios de governança, mas baixo status socioeconômico. Isso acontece com países como Uruguai, Costa Rica e Chile. No entanto, esses países estão mais bem posicionados que o Brasil. Por que isso acontece?
O Brasil tem pontuação sócio-econômica e de governança mais baixa do que todos esses três países. No entanto, tem uma pontuação mais alta na dimensão sócio-cultural. Após o feedback de nossos parceiros sobre o papel crítico da dimensão de governança na formação de um ambiente favorável para a sociedade civil, o CIVICUS decidiu que a dimensão de governança deve compor metade da pontuação referente ao EEI, o que é uma das razões por que o Brasil não ter uma pontuação tão alta quanto se esperaria.
Por outro lado, o Brasil está melhor classificado do que os demais países do BRICS (Índia, Rússia, China e África do Sul). Como você explica a distância entre estes países no ranking?
Embora estas economias emergentes tenham várias semelhanças, têm condições muito divergentes para a sociedade civil. Mesmo que a China tenha o sexto melhor ambiente sócio-cultural para a sociedade civil, tanto China quanto Rússia têm ambientes de governança ruins, que não são propícios para a ação cidadã individual e coletiva. Frequentes violações dos direitos à liberdade de expressão, associação e reunião representam uma séria ameaça para a sociedade civil nestes dois países. Como parte de seu programa Civil Society Watch, o CIVICUS tem monitorado pelo menos 27 ameaças à sociedade civil na Rússia nos últimos dois anos. Na Índia, os principais fatores que impedem a mobilização da sociedade civil são os índices particularmente altos de desigualdade econômica e de gênero. Dada a sua Constituição robusta e admirável tradição de grande participação da sociedade civil, a África do Sul possui a mais alta classificação entre os BRICS. Gostaria de salientar, no entanto, que não há nenhum país que tenha um ambiente perfeito para a sociedade civil e precisamos trabalhar para proteger e promover as liberdades da sociedade civil em todos os países do mundo.