Pensemos, reflitamos, escutemos. Aceitemos. Mudemos.
Sempre ouvi de pessoas menos céticas do que eu a expressão “a palavra tem força”. Hoje eu entendo. Sim, a palavra tem força (…).
A primeira reflexão aqui suscitada é: quando nos tornamos tão convictos de que estamos certos? Em algum momento do processo de perpetuação da ignorância a gente deu um “upgrade” e enxertou a certeza para dentro do desconhecimento. Na contramão da evolução conseguimos dar uma blindagem às nossas limitações intelectuais. A consequência até então era decadência de índices de desenvolvimento, processos políticos com resultados desastrosos, mais besteira dita, mais mentira engolida, mais analfabetismo funcional. A ignorância sempre foi um problema, mas é preciso pará-la quando ela se torna homicida.
As nossas certezas matam. O nosso ódio mata. E a gente precisa acreditar, bem como se convencer a mudar isso. Nós inserimos paixão na política. Não digo partido ou campanha eleitoral. Política em sentido amplo: qualquer sistema que envolva o mínimo de orientação social. E então adotamos alguma perspectiva (que raramente é nossa!) e fomos colonizados pela verdade dos outros. Até aí, as vítimas, éramos nós mesmos. O problema é que a gente não mais apenas engole essa “verdade”. A gente agora a expele (posta, publica, compartilha). E já dissemos no começo: a palavra tem força – e o resultado é covarde.
Você tem direito de defender qualquer ideologia. Defenda seu representante! Expresse suas ambições enquanto cidadão. Seu egoísmo ante a particularidade de as suas ideias se compatibilizarem apenas com seu próprio bem estar. Não é algo a se orgulhar, mas tem o direito de fazê-lo. Apenas não suscite a violência. Não vença no grito. Não ofenda o desconhecido. Paremos de marginalizar a oposição. Não agrida. Essas posturas não são propositivas. A palavra tem força, o discurso ganha uma vida própria enquanto retira a de terceiros. Ninguém ganha. Uns perdem mais que os outros.
Cada vez que você fala mal de alguém que nunca viu em nome de uma causa que não conhece, desfila ódio e demonstra a própria ignorância. Cada vez que você profere xingamentos a um adversário ideológico, você aumenta a distância entre pessoas que vivem sob a égide de uma mesma sociedade e que vão perder mais em conflito do que pensando em conjunto. Cada vez que você apenas chama (por exemplo) um estudante (qualquer deles!) de vagabundo, está contribuindo para um estereótipo de marginalização que gera intolerância e esvazia, aos poucos, as chances de um movimento grande e articulado alcançar algum resultado político. Não precisa concordar. Mas para discordar, entender. E para entender, escutar. Só há espaço para isso onde há diálogo e só há diálogo onde não se “grita”, unilateralmente, pensamentos sobrecarregados de preconceito.
Após uma tragédia, os comentários reproduzem mais do mesmo. Talvez seja o momento de olharmos outra vez no espelho e nos reconhecermos como cúmplices de uma onda de violência que nasce dos mais variados discursos políticos (da direita e da esquerda!). Onde há, de todos os lados: pouca verdade, muita certeza e bastante ódio. Nós estamos matando. Antes de qualquer discurso (post), reconheçamos a responsabilidade de não incentivarmos um resultado que fará de nós pessoas piores – para o mundo e para nós mesmos.
Hoje, um pai matou um filho – noticia-se que por divergências em relação à uma ocupação estudantil. O ódio venceu. As palavras alimentadas por muitos, prosperou. Claro que não podemos afirmar que sabemos o que aconteceu quando os únicos envolvidos estão mortos. Mas uma coisa é certa, o discurso se alinha com o resultado da tragédia. Se não foi fruto da intolerância ideológica repulsivamente defendida por uma parcela grande da sociedade, um dia será.
Escutemos mais. Reflitamos mais. Você não precisa concordar com ninguém, mas não desfile ódio às diferenças (cruciais para a convivência em sociedade). O que você escreve, diz e incentiva, pode fazer com que pessoas sejam mortas. E já que FALTA tanta EMPATIA pela vida do outro, que haja então um juízo de responsabilidade e a sensação fúnebre de sangue inocente nas próprias mãos (e teclados).
O que a gente escreve, mata. Precisamos evoluir o discurso, pelo bem da humanidade.
Fonte: Portal Geledés