O que o governo fez até agora não condiz com as necessidades do Brasil: não anunciou nenhuma medida capaz de retomar a economia e criar empregos, impedir que empresas fechem ou saiam do país
Por Rafael Marques (*), na Rede Brasil Atual
Nos 100 primeiros dias de governo, Jair Bolsonaro viu seu principal apoio desidratar. Os agentes do sistema financeiro, que aprovavam seu governo eram 86% no início de janeiro e hoje são 28%, segundo pesquisa realizada pela XP Investimentos.
Segundo outra pesquisa, desta vez pelo Datafolha, metade dos eleitores acham que Bolsonaro trabalha pouco e 44% disseram que ele é despreparado para o cargo de presidente da República. Aliás, se ele saísse um pouco das redes, poderia trabalhar mais.
O que fez até agora não condiz com as necessidades do Brasil, não anunciou nenhuma medida capaz de retomar a economia estagnada do país, impulsionar o crescimento e criar empregos, impedir que empresas fechem ou saiam do país, o que todos os brasileiros e brasileiras esperam.
O presidente da República nem sequer se manifestou contra a demissão anunciada de mais de 3 mil trabalhadores, com o encerramento das atividades da Ford, em São Bernardo do Campo. O que significa na cadeia produtiva quase 30 mil desempregados a mais no Brasil. Para ele isso é pouco?
Ao contrário dos interesses da nação, os três primeiros meses do governo Bolsonaro são uma sucessão de erros, polêmicas desnecessárias, bate-bocas, declarações vergonhosas, recuos, demissões de ministros, entre outras aberrações, como dizer que o nazismo é de esquerda.
Gostaria de presenciar um encontro entre Bolsonaro e Hitler (1889-1945) para que o capitão dissesse que o nazismo é de esquerda na cara do austríaco ditador na Alemanha. Hoje é fácil falar qualquer coisa idiota como essa. O que teria ocorrido com Bolsonaro e o que a Gestapo, a polícia política do nazismo, faria com ele?
Além disso, o Planalto cedeu suas redes para a divulgação de um vídeo ‘comemorativo’ do golpe de 1964 no Brasil, que prendeu, torturou, assassinou e desapareceu com metalúrgicos, professores, sindicalistas, padres, jornalistas, políticos e quem mais ousasse falar contra os militares que tomaram o poder.
No âmbito internacional, Bolsonaro entrega a nossa soberania, concede ‘agrados’ aos estadunidenses sem nenhuma contrapartida, além de ceder a base de Alcântara para lançamentos e testes militares dos Estados Unidos, propõe perder tratamento especial na Organização Mundial do Comércio, a OMC, para pertencer ao clube dos países ricos (OCDE), sem ganho nenhum para a população brasileira – subserviência perigosa para um país da importância do Brasil.
Se o presidente tivesse foco na economia, na geração de empregos e nos investimentos, as primeiras viagens internacionais teriam que ser à Argentina e à China, principais parceiros comerciais do Brasil.
Outra questão tão importante para a população é o Acordo de Paris, que tem como uma de suas principais metas reduzir a emissão de gases do efeito estufa, de forma a evitar o aquecimento global.
O Brasil não pode vacilar na questão ambiental, porque já vem sofrendo eventos climáticos extremos e tragédias pela agressão ao meio ambiente, como a da Vale, em Brumadinho, que causou a morte de 224 pessoas, e as enchentes arrasadoras em São Paulo e no Rio de Janeiro, que também contabilizaram a morte de mais de 20 pessoas.
A população tem percebido o aumento da violência da polícia e mesmo do Exército, como o assassinato do músico Evaldo dos Santos Rosa por soldados em um tanque de guerra, que dispararam mais de 80 tiros, fuzilando o carro da família. Para citar apenas uma ocorrência de excessos cometidos por autoridades.
Há um sinal de abrandamento em relação à mídia comercial com o governo de Jair Bolsonaro, no que se refere à corrupção. O exemplo mais claro é o caso dos laranjas do PSL, tema que foi abandonado pelos jornais, após a exoneração do ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno.
Ainda para encobrir o caso dos laranjas do PSL, que atinge também o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, Bolsonaro se arriscou em um vídeo escatológico do carnaval. A estratégia, mais uma vez utilizando as redes sociais, afastou o foco sobre o ministro poupado, por enquanto.
Outro estelionato eleitoral é a reforma da Previdência, que vai transferir uma receita de mais de R$ 450 bilhões aos bancos privados, em um esquema de capitalização para as instituições financeiras sem precedentes na história – nem o confisco da poupança da era Collor foi tão longe.
Não bastasse tudo isso, em pouco mais de três meses de mandato de Bolsonaro, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, foi demitido por incompetência, mas outro personagem tão polêmico quanto foi colocado na pasta, o economista Abraham Weintraub, que em sua primeira entrevista já afirmou que quem sabe ler e tem acesso à internet não vota no PT.
A indicação é que o novo ministro vai continuar a estratégia de polêmicas desnecessárias para o Brasil, estabelecida pelo presidente.
Por essas e outras é totalmente compreensível que Jair Bolsonaro em menos de 100 dias de governo registre a pior avaliação entre os presidentes eleitos para um primeiro mandato desde a redemocratização de 1985, segundo o Datafolha.
Cem dias de absenteísmo.
(*) Rafael Marques é presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID-Brasil) e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
(Foto: Marcos Corrêa | PR)