Moradores da região atingida vivem momentos de agonia e desespero em busca de notícias
Por Lu Sudré, do Brasil de Fato
“Quem está lá fora sabe mais do que a gente aqui dentro. As informações estão péssimas, não chegam na gente”, conta, desanimado, José Ferreira da Silva, um dos familiares de desaparecidos e vítimas do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), há seis dias. Nesta quarta-feira (30), os dados oficiais apontam 99 mortos e 259 desaparecidos.
José é pai de Josué Oliveira da Silva, que trabalhava como soldador para uma empresa terceirizada que prestava serviços para a mineradora no Córrego do Feijão. Josué completou 27 anos dois dias antes do vazamento dos rejeitos, e seu corpo não foi encontrado.
Desde o rompimento da barragem, a rotina de José inclui visitas ao Espaço do Conhecimento, localizado na entrada em Brumadinho, e que agora funciona como uma central de apoio aos familiares de vítimas e atingidos. Tudo o que ele precisa são informações sobre o filho – qualquer informação. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele lamenta a dificuldade de comunicação.
“Eles falam que é de duas em duas horas, mas depois vêm dizer que não chegou a lista. E lá fora sabem de tudo. Ficamos sabendo porque temos parente lá fora que ligam pra gente. É horrível. Ficamos arrasados. Toda hora esperamos que ele esteja na lista de aparecidos, mas infelizmente… Está difícil”, conclui.
Tatiane Maria de Souza Teles, cunhada de Josué, veio da Bahia assim que soube do rompimento, para prestar solidariedade a uma irmã. “É angustiante ficar em um lugar sem saber de notícias”, desabafa.
Mesmo com dificuldade de acesso a informações, a família não perde as esperanças. “Estamos confiando que Deus faz milagre, e estamos confiando no milagre de que ainda existem pessoas vivas lá dentro, e uma delas é meu cunhado”, acrescenta Tatiane.
Em pé, consolada por amigos, Kamara Coimbra compartilha da mesma angústia. Esposa de Rafael Mateus de Oliveira, que também é soldador, ela teve o último contato com o marido por volta das dez e meia da manhã, pouco antes do rompimento da barragem.
Rafael está na lista de desaparecidos. “A gente entende muito o trabalho da equipe dos bombeiros, sabemos que eles estão fazendo um trabalho incessante… mas, a gente quer notícia. Infelizmente, temos que esperar”, explica Kamara. “Queríamos mais informações, queríamos que fosse mais ágil, que houvesse uma equipe do próprio IML [Instituto Médico Legal] para ajudar, ou que viesse informação lá da Vale, de onde estão sendo resgatados os corpos. Para a gente, que está vivendo, é muito ruim. Quem está fora não tem noção do que é”, completa.
Enquanto aguarda notícias de Rafael, de 35 anos, ela espera a responsabilização daqueles que causaram a tragédia: “Espero que [o responsável] seja punido. São muitas vidas, muita dor, muita gente desesperada”.
Sem respostas
Francisco Adalberto Silva busca informações sobre o filho, Franciserik Soares Silva, e o sobrinho, Luiz Paulo Caetano. Os dois estavam na Vale no dia do rompimento da barragem, fazendo a manutenção de um trator. Eles trabalhavam como mecânicos para uma empresa terceirizada.
Adalberto estava em Betim, município vizinho, quando recebeu a notícia. Imediatamente, tentou contato com seu filho, mas as ligações foram em vão. O pai imagina que Franciserik estava no refeitório da mineradora, almoçando junto a outros trabalhadores. O local foi diretamente atingido pela avalanche de lama.
“Hoje, o que a gente quer mesmo é encontrá-los. Vivos, humanamente falando, é muito difícil. Mas enquanto não temos um corpo, temos uma penca de esperancinha de, de repente, a pessoa aparecer de dentro de uma maca dessas”, admite.
Adalberto chegou a entrar na mata em busca do filho e do sobrinho, e depois foi impedido de continuar pela Polícia Militar. “É claro que a gente não tem experiência, como eles alegaram, mas a vontade de encontrar as pessoas com vida era muito grande”, explica.
O pai de Franciserik afirmou ainda que, ao conversar com pessoas que usavam adesivos de voluntários da Vale, soube que, por ordem do departamento de Recursos Humanos (RH) da empresa, alguns funcionários da própria mineradora receberam a indicação de se identificarem como voluntários.
“Se chegar em um voluntário e perguntar algo mais sério, ele não vai saber responder. Ficamos sem informação. Tinha muita gente lá, mas na realidade estávamos sem informação“, finaliza Adalberto.
Direito ao luto
A dor de Eliane de Souza é diferente daqueles que anseiam por informação. Há pouco mais de 24 horas, ela recebeu a notícia que o corpo do marido, Reinildo Aparecido do Nascimento, de 47 anos, havia sido encontrado. Ele trabalhava no setor administrativo da Vale. “Acho que nem deu tempo dele sair da sala“, conta a viúva, acompanhada da filha de 14 anos. Ambas compareceram ao Espaço do Conhecimento para pegar orientações para velar Reinildo.
“Eu fiquei sabendo ontem que ele foi encontrado, e que estaria no IML. Minha filha foi reconhecer. Mas, graças a Deus que eles encontraram. O fato de não encontrarem causaria mais angústia ainda. Eu sinto muito pelas famílias porque tem muita gente que ainda não foi encontrada. Muita gente mesmo. Espero que eles sejam encontrados, porque é muita dor”, afirma.
Mesmo vivendo o luto, Eliane reforça o direito dos familiares dos desaparecidos de velarem os corpos, e espera que a procura continue para que mais vítimas sejam identificadas. Ela acrescenta que Reinildo era responsável pela renda do lar e que precisará da ajuda da Vale, da Defensoria Civil e de todos os órgãos para conseguir sobreviver com suas filhas.
Trabalhadores da Vale também foram ao Espaço do Conhecimento para pedir informação sobre os colegas. Eles disseram que foram orientados pelos advogados a não falar com jornalistas, porque temem algum tipo de retaliação da Vale.
(Foto: Lu Sudré)