Por Carol Civita (ativista do terceiro setor), no Brasil Post
Filantropia não é caridade, assistencialismo ou socorro para situações de emergência. Filantropia é projeto social a longo prazo. É aquilo que, em sociedades de economia estável, incentiva o setor privado a buscar melhorias na estrutura social de uma nação. Em países onde as oscilações de mercado são ajustes cotidianos, a filantropia já tem um papel determinante no desenvolvimento da nação, além de se tornar também um instrumento para o crescimento do IDH (índice de desenvolvimento humano) e consequentemente um impulsionador da própria economia. Uma sociedade não se mede pelo seu poder de consumo imediato, pelas vendas no varejo, ou pela busca de serviços, mas sim pela sua capacidade de inserir indivíduos no crescimento como um todo, através da saúde, educação, na capacitação profissional e na sua conscientização em relação ao ambiente em que vive. Se formos procurar entender o real significado da palavra “filantropia”, veremos que ela significa simplesmente, “amor a humanidade”. E baseadas nessa simples primícia, várias organizações do setor privado, mundo afora, já tomaram para si a responsabilidade de participar naquilo que reflete a dignidade da vida humana.
Nos Estados Unidos, por exemplo, engana-se quem acredita que somente fundações ou grandes corporações são as responsáveis pela arrecadação de recursos para organizações sem fins lucrativos. Ano após ano, pessoas físicas são creditadas por 2% do crescimento no PIB, com doações sistemáticas, provenientes de projetos pessoais a longo prazo. Pessoas que buscaram encontrar um foco de atuação, que lhes seja relevante, e para o qual destinam parte de seus lucros anualmente. Contribuições individuais ou familiares, de pessoas com renda estável, entre 2011 e 2013, já representam 73% da arrecadação total feita pelo setor privado, de acordo com a análise do Giving USA – The Annual Report on Philanthropy. E assim, o terceiro setor vem apresentando resultados jamais vistos desde a grande recessão mundial, e o poder privado vem atingindo um “empoderamento”, jamais visto nos Estados Unidos, garantindo assim uma democracia sólida.
É fato que sem a participação do poder privado em parceria com o poder público, o crescimento social brasileiro ficará bem aquém do seu verdadeiro potencial. É verdade que somos uma democracia sólida e estabelecida e temos grandes vantagens como sermos um país integrado por um só idioma e livre de divisões religiosas, assim como é possível constatar que nossas instituições funcionam relativamente bem – e, gradativamente, vêm sendo fortalecidas. Na medida do aceitável somos um país de imprensa livre e independente e a sociedade brasileira se torna cada vez menos tolerante a prática descarada da corrupção. Mas, apesar de sermos um país riquíssimo em recursos naturais e estarmos passando por uma onda de empreendedorismo nunca vista antes no país, infelizmente a grande verdade é que hoje o Brasil vive um contra senso na sua filantropia. Enquanto o poder púbico não se unir – e vou além, ao invés de “unir” gostaria de usar a palavra “aceitar” – a colaboração do setor privado, não teremos e nem veremos nas próximas gerações o desenvolvimento social que esperamos para o país.
As ações que vemos acontecer no momento atual do Brasil, na filantropia, são ações ainda pequenas, de empresas, indivíduos ou organizações não governamentais que visam a melhoria de certas comunidades ou certas áreas de demanda emergencial na educação, na saúde e na integração social através da capacitação. Essas ações são extremamente louváveis e necessárias para darmos continuidade ao desenvolvimento, mas enquanto investimos em 1, temos 10 que ainda aguardam, se investirmos em 10, temos mais 100 e se investimos em 1000, continuaremos a ter milhões a espera. O Brasil precisa de escala através de ações em parceria do setor privado e público. O Brasil não precisa de caridade.
Em anos recentes, o terceiro setor viu com desânimo a saída do apoio internacional e a diminuição de recursos alocados para a filantropia. Hoje temos que encarar – ainda – casos de corrupção descabida, como o desvio da verba alocada pela Cruz Vermelha ao Brasil, e entender o fato de que 8 entre 10 hospitais filantrópicos no Brasil operam no vermelho. Este cenário precisa mudar imediatamente se queremos de fato ver esta nação crescer na sua estrutura social. Na data de ontem, 31 de Julho de 2014, a Secretaria Geral da República comemora em cerimônia oficial a sanção do Projeto de Lei que institui o Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil e suas relações de parceria com o Estado. O novo marco regulatório contribui para o aperfeiçoamento das parcerias celebradas entre o poder público e as organizações da sociedade civil, com base na valorização e fortalecimento das organizações, na segurança jurídica e na transparência e controle sobre recursos públicos.
A nova lei consolidará medidas importantes para a celebração de parcerias, especialmente em relação a execução das despesas para atingir o objeto pactuado, ao monitoramento, a avaliação e ao sistema de prestação de contas. Com isso espera-se que as boas iniciativas de organizações da sociedade civil e as políticas públicas implementadas em parceria serão fortalecidas, reconhecendo que as OSCs são atores fundamentais para a consolidação da cidadania e da democracia no Brasil. Mas precisamos de mais. Precisamos de uma cultura de doação, um conscientização social e uma certeza que não serão penalizados por impostos descabidos aqueles que desejarem alocar seus recursos para o bem comum.
Cabe agora a sociedade civil assumir seu papel e seu poder em relação ao desenvolvimento da nação, e entender que através de uma filantropia séria, focada, organizada e bem planejada podemos mudar os rumos de uma história que já esta com data vencida.