O fortalecimento das organizações da sociedade civil – como ação e insumo fundamental para a construção e eficácia da democracia brasileira –, despontou com um dos principais desafios a ser enfrentado e encarado de frente pelo ISP durante os debates do 9º Congresso GIFE 2016.
Essa agenda, inclusive, é uma das oito estabelecidas pelo GIFE como foco de sua atuação para os próximos anos e foi o tema do primeiro episódio da Websérie COMUM, lançada pela organização recentemente e disponível no canal do Youtube.
Como parte deste debate, surge um ponto central que é o financiamento destas organizações. Quais as oportunidades e fronteiras atuais para tal? Quais os desafios para ampliar o direcionamento de recursos para essas organizações?
Segundo os especialistas do setor, não há um único modelo de financiamento para todos, tendo em vista que trata-se de um ambiente muito diverso – há organizações de muitos portes, com enfoques diversos e direcionamento de ações variadas. Por isso, é preciso buscar formas diversificadas para tal.
A tarefa não é fácil, tendo em vista a diminuição de recursos disponíveis no campo devido à crise econômica vivida pelo Brasil atualmente, além do fato de que muitos institutos e fundações passaram a desenvolver seus próprios programas e projetos – cerca de 80% dos associados GIFE, por exemplo, têm atuado desta forma ao invés de investirem em outras organizações.
Diante deste cenário, ampliar a cultura de doação no Brasil desponta como um caminho importante e urgente a ser tomado. “É da essência do campo buscar a diversidade de financiadores. E temos um potencial no Brasil, hoje, de 130 milhões de doadores por ano. Contudo, não chegamos a ter 30 milhões de pessoas doando dinheiro para organizações sociais”, comenta João Paulo Vergueiro, diretor executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).
“Quero chamar a atenção também para o papel dos indivíduos dentro do tema de financiamento de organizações da sociedade civil. Os indivíduos sentem, amam, se engajam, se emocionam e acreditam nas organizações. Ou seja, as pessoas se identificam com causas, com o que é próximo aos seus valores. Hoje em dia, cada vez mais, temos trabalhado com as organizações para reforçar a importância dos indivíduos como financiadores de iniciativas. Para que tenhamos uma sociedade civil forte e democrática, precisamos de organizações financiadas também pelos indivíduos e não tão dependentes do poder público ou do financiador empresarial”, aponta João Paulo.
Nina Valentini, diretora executiva do Instituto Arredondar, ressalta ainda a importância das instituições investirem na qualificação de sua comunicação junto aos diversos públicos, que dê conta não só de encantar novos investidores/doadores, mas que garanta informações qualificadas e reais do que a organização faz e pretende fazer.
“E, neste sentido, precisamos discutir também o que impacta e motiva mais os indivíduos doarem: são causas ou histórias? Eu tendo a achar que são histórias com as quais as pessoas se conectam. Só depois disso é que ela terá contato com a causa mais ampla e poderá se aprofundar melhor no tema”, questiona, destacando que o Instituto está realizando uma pesquisa – que será lançada em outubro – que visa justamente identificar o perfil do consumidor doador.
“No nosso caso é ainda mais complexo, pois oferecemos apoio institucional e isso traz um desafio de comunicação enorme. É muito mais fácil para uma organização falar para o doador que o recurso que ele doou ajudou a concretizar uma aula para tal jovem, do que dizer que colaborou com o pagamento do aluguel da instituição. É preciso um trabalho de formação”, comenta Nina.
Desafios
De acordo com Helena Monteiro, diretora executiva da WINGS – uma rede independente que reúne 88 organizações de apoio que servem à filantropia em 36 países (no qual o GIFE é associado) – é possível perceber que alguns aspectos impactam diretamente na promoção das doações, como o marco regulatório – que pode favorecer ou dificultar os investimentos – assim como aspectos culturais e religiosos locais.
Além disso, há uma tendência em se agregar formas inovadoras em engajar as pessoas – comocrowdfunding, por exemplo, – mas sempre mantendo as boas práticas existentes. “Todos buscam maneiras diversas de alavancar recursos, envolvendo, cada vez mais, diversos setores e atores sociais. O que diferencia é a criatividade de cada um”, explica.
Algumas instituições, como a Impacto Hub, por exemplo, tem atuado como ponto de contato entre financiadores e financiados, visando fortalecer esse ecossistema social por meio de novas articulações e aproximações. “Nesse sentido atuamos muito na linha de diversificação de canais de receitas nas organizações sociais. É um exercício constante de entender como a organização funcionaria em outros modelos financeiros. Isso te dá jogo de cintura e resiliência que permite experimentar outra modalidades de financiamento. E isso não significa se desconectar do seu propósito”, explica João Vitor Caires, co-diretor do Impact Hub.
Segundo os especialistas, um caminho importante a ser tomado no campo é investir no diálogo entre organizações da sociedade civil e financiadores, a fim estabelecer relações de confiança, que garantam processos mais fortes, baseados em parcerias e criação conjunta de ações, com compartilhamento de valores.
Práticas
Há diversas iniciativas que vem sendo suscitadas no Brasil com o enfoque de ampliar o ambiente de doação, como o “Dia de doar”, uma campanha para incentivar a cultura de doação por indivíduos, assim como a plataforma online Captamos, que visa ajudar as OSC a estabelecer a interlocução com doadores.
Outra ação é a pesquisa coordenada pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), em parceria com um grupo de especialistas no campo da cultura de doação – como o próprio GIFE –, que pretende traçar o perfil dos doadores brasileiros e da doação no Brasil.
A ideia é conhecer quem são, por que doam, como doam e quanto doam, assim como levantar dados sobre o que faria pessoas doarem mais, quais são as causas que as sensibilizam, quais são suas crenças e desconfianças, entre outros questionamentos. Com isso, espera-se identificar de que forma o campo se comporta no Brasil, afim de realizar novas ações para aumentar a cultura de doação no país. A pesquisa está em fase de elaboração e, em breve, será amplamente divulgada.
Há ainda o Fundo BIS – lançado pelo GIFE no final de 2015 – que visa apoiar iniciativas que contribuam para ampliar o volume de doações no país. A proposta surgiu de um grupo de organizações a partir da constatação de que há um volume ainda tímido de doações no Brasil. Para concretizá-lo, o GIFE estimulará investidores sociais e interessados no tema a doarem 1% de seus orçamentos para o Fundo, que será gerido pelo banco JPMorgan, associado ao GIFE.
O Fundo não apoiará projetos de organizações, mas financiará iniciativas que gerem benefícios coletivos para aperfeiçoar o ambiente para as doações no país, como o desenvolvimento de pesquisas e campanhas, por exemplo.
Andre Degenszajn, secretário geral do GIFE, destaca que todas estas iniciativas vem sendo desenvolvidas no âmbito do investimento social privado, tendo em vista o papel ativo que o setor pode ter a fim de promover o crescimento das doações no Brasil.
Segundo Andre, essa atuação pode se dar, principalmente, em duas instâncias que são interligadas entre si: incidir sobre o marco regulatório e no fomento à cultura de doação. “Ou seja, temos de fazer advocacy para melhorar o ambiente regulatório e também apoiar iniciativas e instituições que estejam trabalhando para motivar a população a doar, assim como naquelas ações que ajudem a melhorar processos e infraestrutura para que essas doações possam ser feitas e as organizações acessem mais facilmente os investimentos. Tudo isso é para aumentar o volume de recursos disponíveis para a causa de interesse público”, destaca.
*As visões e depoimentos dos especialistas compartilhados nesta reportagem foram disseminados em diferentes momentos da preparação e realização do Congresso GIFE 2016.
Fonte: Gife