O Preto no Branco entrevistou Roberto Malvezzi sobre a interligação entre as bacias dos Rios Tocantins e São Francisco
A Maçonaria em Juazeiro-BA e Petrolina-PE, juntamente com o Rotary Clube e a Câmara de Dirigentes Lojistas de Petrolina, vão realizar no próximo sábado (2) uma caminhada pela revitalização do Velho Chico. A ideia, de acordo com os organizadores, é pressionar o Governo Federal a iniciar, com urgência, estudos ambientais para promover a interligação entre as bacias dos Rios Tocantins e São Francisco.
Ocorre que este é um projeto completamente equivocado e danoso do ponto de vista ambiental e social, segundo o pensamento de Roberto Malvezzi, uma das primeiras vozes a se levantar em favor do Rio São Francisco, da sua revitalização e das lutas que envolvem a população ribeirinha.
Malvezzi critica a retirada abusiva das águas do Velho Chico para os grandes projetos de irrigação e diz que o Projeto de Lei nº 6.569/13, de autoria do deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE), que pretende integrar as bacias do Rio Tocantins ao Rio São Francisco, não é possível pois o Tocantins está tão fragilizado e seco quanto o Velho Chico, como constatou o ambientalista em visita a um trecho do rio goiano, em Miracema do Norte.
Graduado em Estudos Sociais e em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, em São Paulo, e também com formação em Teologia pelo Instituto Teológico de São Paulo, Roberto Malvezzi, mais conhecido como Gogó, é paulistano, natural de Potirendaba. Ele chegou ao interior da Bahia em Janeiro de 1979 para ficar um mês trabalhando em comunidades rurais de Campo Alegre de Lourdes, divisa com Piauí. Convivendo com os moradores de uma comunidade chamada Pajeú, viu de perto a situação de pobreza da população, particularmente a questão da água vermelha dos barreiros que a comunidade consumia.
Em 1980 retorna a Campo Alegre de Lourdes, dessa vez para morar. Ficou no município trabalhando de forma voluntária, incorporando-se às Pastorais Sociais da Diocese de Juazeiro. Foi coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra por aproximadamente seis anos. Um dos organismos sociais mais atuantes do país na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais e as delicadas questões envolvendo a regularização fundiária, o agronegócio e a permanente disputa de territórios de fundo de pasto, demarcações indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais.
Lutou contra a Ditadura Militar na defesa dos direitos das populações atingidas pela barragem de Sobradinho e é um ativo militante em defesa da convivência com o Semiárido, sobretudo na captação da água da chuva para beber e produzir.
Atualmente, Malvezzi reside em Juazeiro-BA e atua na equipe da CPT do São Francisco.
Nesta entrevista, Malvezzi é enfático ao dizer que investir seriamente na revitalização do Rio São Francisco, que pressupõe parar por hora com novos projetos de irrigação e uso da água; recompor as matas do território da bacia, principalmente as ciliares, encostas e áreas de recarga dos aquíferos; parar com o desmatamento do Cerrado mineiro e baiano são as soluções que precisam ser discutidas, transformadas em projetos de lei e aplicadas na prática, sob risco de ambos os rios,Tocantins e São Francisco desaparecerem, aumentando a disputa pela água e a crise hídrica, não somente na irrigação, mas na dessedentação de animais e populações humanas.
Preto No Branco: O que está por detrás da transposição do Tocantins para o São Francisco?
Roberto Malvezzi: Em primeiro lugar, é preciso dizer que essa proposta é mais insana, mais louca que a transposição do São Francisco para outros estados da forma como ela foi feita.
Na verdade, os movimentos socioambientais sempre disseram que o São Francisco tinha pouca água para suportar uma transposição. Era um anêmico que não podia doar sangue. Agora, essa proposta de transpor o Tocantins para o São Francisco só comprova o que sempre dissemos. Está faltando água no São Francisco não só para as comunidades beiradeiras, mas a falta de água inviabilizou a hidrovia do São Francisco, diminuiu a geração de energia e está faltando água até para os perímetros irrigados já instalados. Então, começou a bater o desespero também no setor econômico, naqueles que mais ganham com as águas do Velho Chico. Daí a proposta doida de transpor o Rio Tocantins para aumentar o volume de água do São Francisco, água que ele já teve, mas agora não tem mais.
Preto No Branco: Essa transposição do Tocantins para o São Francisco é viável?
Roberto Malvezzi: As pessoas propõem certas obras e com isso mostram todo desconhecimento que tem da realidade. O aquífero que abastece o Tocantins é um dos mesmos que abastece o São Francisco, isto é, o aquífero Urucuia. E esse é um dos aquíferos que está perdendo forças no Cerrado brasileiro. Portanto, sem o aquífero Urucuia morre o Tocantins e morre o São Francisco.
Acontece que a devastação da Amazônia que gera os rios voadores, que fazem chover em todo território brasileiro, inclusive até na Argentina, está prejudicando a formação desses rios [rios voadores são “cursos de água atmosféricos”, formados por massas de ar carregadas de vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens, e são propelidos pelos ventos]. E o Cerrado brasileiro, onde estão os três maiores aquíferos do Brasil e da América Latina – Urucuia, Bambui e Guarani -, está sendo devastado para plantação de soja e criação de gado. Com seus solos compactados, perdeu a capacidade de alimentar seus aquíferos, ou pelo menos está perdendo essa capacidade. Portanto, nossa caixa d’água está cada vez mais seca.
Então, esses dias andei em Miracema do Norte, no Tocantins, e o rio Tocantins de lá estava mais seco que o São Francisco aqui. Andei no Bico do Papagaio, em Marabá, onde o Tocantins se encontra com o Araguaia e vi mais pedras que água no leito do Araguaia.
Portanto, não é fazendo obras gigantescas que vamos resolver os problemas de nossos rios, pelo contrário, elas podem tornar a situação ainda mais grave.
Preto No Branco: O que fazer diante deste cenário que está posto?
Roberto Malvezzi: Sem uma revitalização séria e sem respeito ao nosso ciclo das águas não há tecnologia que resolva nossos dramas hídricos. Primeiro, respeitar a Amazônia, que o ministro de Petrolina [Fernando Filho do PSB-PE] agora quer entregar para as mineradoras.
Segundo, preservar o que há no Cerrado, para que a área não seja totalmente impermeabilizada e evitar que nossos aquíferos que distribuem a água para todo território nacional sejam extintos. Sem esses aquíferos morre o São Francisco e o Tocantins.
Terceiro, investir seriamente na revitalização do Rio São Francisco, que pressupõe parar por hora com novos projetos de irrigação e uso da água; recompor as matas do território da bacia, principalmente as ciliares, encostas e áreas de recarga dos aquíferos; parar com o desmatamento do Cerrado mineiro e baiano.
Cada um de nós também pode contribuir no cotidiano, no jeito de lidar com a água, o rio e cobrando dos responsáveis que a revitalização seja séria e eficaz.
Perdemos muitas batalhas a cada dia na luta pelo São Francisco, mas ainda não perdemos essa guerra.
No dia 24 de agosto, Roberto Malvezzi esteve no Programa Palavra de Mulher na Web e conversou com Sibele Fonseca e Juliano Ferreira sobre a temática.
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Fonte: Preto no Branco