Pauta da Câmara retoma projeto de Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que prevê que consumidor não será informado se estará comprando alimentos com ingredientes geneticamente modificados
São Paulo – A pauta do plenário da Câmara dos Deputados retomou na terça-feira (24) o Projeto de Lei 4.148/2008, de autoria do ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que prevê a não obrigatoriedade de rotulagem de alimentos com ingredientes transgênicos, reformando (e fazendo retroceder) a Lei 11.105, de 24 de março de 2005, conhecida como ‘Lei de Biossegurança’, que estabelece no artigo 40 a obrigatoriedade da informação ao consumidor.
O resgate do projeto ruralista pela pauta ocorre quando a lei completa dez anos, em meio a um parlamento mais conservador do que na legislatura anterior. Nos próximos dias, o PL poderá ser votado e atiçar os movimentos sociais, sobretudo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e entidades de defesa do consumidor, que têm mantido diversas frentes de luta contra a disseminação de produtos transgênicos no país, a despeito da força do agronegócio e das empresas transnacionais que fornecem sementes e agrotóxicos para o setor, faturando milhões.
“A ida ao plenário já mostra que não há unanimidade da casa para votar esse projeto”, afirma o deputado Chico Lopes (PCdoB-CE), que se manifesta contra a iniciativa: “Eu acredito que nós do PCdoB e de outros partidos populares não vamos votar de maneira nenhuma nesse tipo de projeto. A lei já está na sociedade, e nós não vamos legalizar uma coisa que pode causar dificuldades com a saúde, ou rejeição, portanto, eu acho que vai haver uma discussão acirrada, como nas comissões técnicas”, acredita o deputado.
Imediatamente ao resgate do projeto pela pauta, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou que “caso seja aprovado, alimentos como óleos, bolachas, margarinas, enlatados e papinhas de bebê serão comercializados sem identificação sobre a presença de transgênicos, o que contraria expressamente o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que determina o direito legal à informação clara e adequada sobre o que é comprado e consumido no Brasil, incluindo as informações sobre seus componentes e potenciais riscos à saúde.”
O Idec também considera que o projeto do deputado ruralista expõe os alimentos à contaminação transgênica sem o conhecimento do consumidor. “A informação presente hoje na rotulagem de alimentos, e que possibilita o direito do consumidor escolher o que consumir, pode ficar totalmente comprometida pela manobra que visa a diluir a percepção dos consumidores sobre a presença dos organismos geneticamente modificados (OGMs) que está comprando.”
“Para nós, esse projeto de lei fere o direito humano a uma alimentação saudável, e também o direito humano de a sociedade ter consciência quanto ao alimentos que estão sendo consumidos. Portanto, nós somos radicalmente contra esse projeto de lei e junto com outras organizações, assim como o Idec, fazemos oposição ao projeto”, afirma Nívea Regina da Silva, da coordenação estadual do MST no Rio de Janeiro e coordenadora também da campanha contra agrotóxicos dentro do movimento.
“A nossa expectativa é que por parte do governo essa votação seja retirada, que haja uma movimentação para que a votação não ocorra. Para nós, isso seria um retrocesso enorme, porque ao retirar a obrigatoriedade da rotulagem você também coloca, de forma objetiva e subjetiva, que não há problema de impacto na saúde humana e no ambiente. Você coloca que esse tipo de produção transgênica não teria tantos impactos na saúde humana, mesmo sem ter estudos que comprovem isso”, afirma Nívea.
Em painel realizado terça-feira, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por entidades de defesa do meio ambiente sobre os dez anos da Lei de Biossegurança, pesquisadores da área avaliaram que um dos resultados da disseminação de culturas transgênicas é que o uso de agrotóxicos nas lavouras aumentou, contrariamente ao que se acreditava quando a Lei 11.105 foi aprovada. Também destacaram, segundo informou o site de notícias Sul 21, que as variedades transgênicas “vêm provocando o surgimento de novas pragas mais resistentes aos venenos, que demandam o desenvolvimento de novos venenos, numa espiral que parece não ter fim e que vem sendo construída sem os estudos de impacto ambiental necessários.”
A coordenadora do MST avalia que existe forte mobilização das bancadas ruralistas na Câmara e no Senado em favor do uso de transgênicos e agrotóxicos. “Tem 25 projetos de lei que tramitam na Câmara para liberação de alguns princípios ativos de novos agrotóxicos, muitos desses já banidos em outros países. Esses projetos já vinham tramitando antes da nova composição da Casa e nós achamos inclusive que, com a nova composição, muitos desses projetos correm o risco de serem aprovados”, afirma Nívea. Ela destaca que, segundo alguns pesquisadores da Fiocruz, seriam em torno de 1,6 mil novos nomes comerciais de agrotóxicos que estão relacionados a esses princípios ativos.
Muitos desses venenos podem chegar às plantações sem necessidade, porque são correlatos de outros produtos que já estão no mercado. “Isso segue uma lógica de mercado”, afirma a representante do MST. “Ampliar a diversidade de agrotóxicos é para ampliar a circulação de capital na compra dessas mercadorias e os transgênicos são da mesma forma”, defende.
No início de março, militantes do MST ocuparam uma reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, que avaliava a liberação para o mercado de novos produtos transgênicos. A reunião aprovou duas novas variedades de milho transgênico, mas o eucalipto transgênico foi excluído da pauta em função das pressões dos movimentos sociais. “O eucalipto transgênico é uma aberração”, afirma Nívea. Ela explica que “mesmo com as alegações agronômicas do aumento da produtividade, seja o aumento da fotossíntese ou o aumento do uso da celulose, isso não seria garantido somente com a mudança genética, a não ser que se faça uma alteração artificial também daquela área em que o eucalipto será plantado para ter uma resposta da produtividade. Então, são coisas que não têm nenhuma garantia em relação à segurança da saúde humana e do meio ambiente.”
Segundo Nívea, o debate em torno do projeto do deputado Luiz Carlos Heinze interfere, inclusive, na segurança e soberania alimentar. “O fato de não ter, principalmente nos produtos derivados de soja e de milho a rotulagem de transgênicos, fere a segurança alimentar de um país, porque na verdade você não tem consciência do que é composto no produto. A sociedade fica sem o direito de saber que aquele produto é composto por uma mudança na genética vegetal da planta, o que pode ocasionar problemas na saúde da população.”
Fonte: Rede Brasil Atual, por Helder Lima