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Encontro promovido pela ONG Artigo 19 contou com a presença de Clemént Nyaletsossi, relator sobre Liberdade de Reunião Pacífica e Associação

Por Maria Teresa Cruz, da Ponte Jornalismo

Um encontro promovido pela ONG Artigo 19 em São Paulo, na sexta-feira (20), reuniu movimentos sociais, defensores de direitos humanos, comunicadores e o relator da ONU para Liberdade de Reunião Pacífica e Associação, Clément  Nyaletsossi Voule, para debater os inúmeros casos em que o Brasil tem descumprido parâmetros internacionais que garantem a liberdade de expressão e o direito ao protesto. “O direito de manifestar deve ser assegurado para todo e qualquer um, qualquer grupo, de forma irrestrita. E, nesse sentido, há que se dar uma atenção especial para as minorias, que é quem mais sofre com a marginalização e a restrição de direitos. E esse direito de reunião pacífica deve ser assegurado pelos governos”, declarou Clémont. O evento aconteceu no Matilha Cultural, no centro de São Paulo, e as rodas de discussão foram mediadas por Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da Artigo 19.

Entre os convidados, algumas pessoas que tiveram suas vidas diretamente afetadas por situações de cerceamento de liberdade e até mesmo a violência policial, bastante presente nas manifestações pelo país, especialmente após as jornadas de junho de 2013. A reunião também trouxe a oportunidade para que essas vítimas contassem ao relator sobre essas violações sofridas.

Um deles foi o fotógrafo da Ponte Sérgio Silva, que em junho de 2013, perdeu o olho esquerdo depois de ser atingido por uma bala de borracha. “A repressão de 2013 apenas evidenciou o que o Estado sempre fez, já fazia e continua fazendo de maneira sistemáticas nas periferias, nas margens. Não no centro da cidade. Foi quando a violência policial veio para o centro”, disse Sérgio ao relator. “É uma democracia de silenciamento. Quase que um acordo para que a gente tente caminhar para uma construção de país, só que a gente acompanha e sofre na pele, no dia a dia, diversas violações nesse país genocida e violento para as minorias”.

Sérgio Silva contou sobre os pedidos de indenização negados pela Justiça em duas instâncias e pediu licença a Clément para ler a decisão do juiz Olavo Zampol Junior, em que o magistrado considerou o fotógrafo culpado pela lesão irreversível. “Tendo o autor se colocado na linha de tiro e lá permanecido para fotografar, colocou-se em situação de risco, assumindo com isso, as possíveis consequências do que pudesse acontecer e surgindo desse comportamento causa excludente de responsabilidade [do Estado]”, leu Sérgio.

A jornalista Juliana Gonçalves, uma das articuladoras da Marcha das Mulheres Negras, denunciou que o cerceamento de direitos à população negra é mais crítico e flagrante do que para outros grupos. “A população negra não trem esse direito de reunião, de manifestação pacífica de uma forma geral. Até porque para termos esse direito assegurado temos que estar vivos e em liberdade, e infelizmente nós estamos no país que mais mata a população negra e encarcera a população. E por isso a gente utiliza a palavra genocídio”, disse

Falou também ao público a militante Stella Avalloni, que no último dia 1º de julho foi presa por desacato quando participava de um ato de mães pedindo o fim da violência policial. “Nós vivemos em um estado de exceção, não existe democracia. Eu fui detida pela PM porque eu chamei um policial de vagabundo porque ele me assediou. E isso porque eu sou mulher, sou mãe e estava na rua”, contou Stella. “Fui ridicularizada na delegacia, disseram mentiras, violaram minha privacidade, pegaram meu celular e seguraram meu dedo para desbloquear o meu aparelho. Deletaram vídeos que eu fiz de dentro da viatura. Eu passei por muitos abusos. Me colocaram dentro de uma sala, nua e fizeram com que eu agachasse três vezes para saber se não estava escondendo nada dentro da vagina”, disse, emocionada, ao relator.

Clément observou que os parâmetros internacionais exigem que em caso de veto para uma manifestação pública, o governo precisa justificar claramente as motivações para a decisão. “Não existe isso de dizer: ‘Não autorizamos a manifestação por causa da segurança pública’. O que nessa manifestação fere a ordem, a segurança pública? Isso precisa estar muito explícito, caso contrário o Estado não pode vetar. A restrição abrangente, por exemplo, precisa ser muito bem argumentada. Pelos padrões internacionais não existe isso de ‘não pode fazer e pronto’”, explicou o relator.

“O objetivo das leis deve ser proteger os direitos humanos, o interesse comum. Segurança Pública deveria significar garantia de direitos. A moral pública deve estar amparada em valores que devem servir para unir uma sociedade, para garantia de direitos. O problema é quando a definição dessa moral não serve a isso e é usada para restringir direitos”, criticou Clément.

A professora Andreia Neiva, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), também participou de um dos painéis. O movimento surgiu a partir de uma das maiores tragédias ambientais do país, o rompimento da barragem do Rio Doce, em Mariana, Minas Gerais, e a partir disso passou a representar outros trabalhadores que vivem conflitos no campo. Moradora de Correntina (BA), Andreia relembrou o protesto realizado em novembro do ano passado pela população ribeirinha promoveu um levante contra fazendas e chegaram a tocar fogo em alguns galpões nesses locais. A alegação na época é que o uso indiscriminado da água de rios estava causando impacto no meio ambiente e na sustentabilidade dessas comunidades.

“É uma área de comunidades tradicionais, centenárias, que vem há mais de 40 anos tendo seus territórios  invadidos por empresas grileiras, que tem documentos fraudulentos daquelas áreas e que vivem em constante conflito com trabalhadores rurais. Durante esse tempo todo, foram muitos assassinatos e desaparecimentos”, relatou. “A resposta foi o envio de um contingente gigantesco de policiais para a cidade. E as declarações do governo davam conta que aqueles trabalhadores eram vândalos, terroristas”, explicou Andreia.

Também participou da roda, a ativista Roberta Pereira, que foi presa em 2013, durante a Marcha das Vadias em Guarulhos, Grande São Paulo. Ela recebeu voz de prisão dentro da delegacia, quando foi acompanhar a detenção de uma companheira da manifestação. Roberta foi processada por ato obsceno, porque estava com os seios a mostra, prática bastante comum nesse tipo de protesto.

“Foi uma prisão super estranha. Aí quando eu tive a primeira audiência é que eu consegui entender a gravidade de tudo que estava acontecendo. Percebi que estaria submetida ao que o juiz considerava um ato obsceno. O juiz me fez perguntas do tipo se eu tinha intenção de seduzir alguém, se eu só mostrei meus seios ou se mostrei outra parte do corpo na rua, disse que a rua é pública que eu não poderia fazer aquilo e que incomodei as pessoas que estavam naquele ambiente. Eu expliquei tudo, o contexto da marcha e mesmo assim ele ignorou tudo e eu fui condenada”, contou Roberta.

Também tiveram oportunidade de denunciar casos de violações ao relator da ONU Clément Nyaletsossi Voule a advogada popular Cecilina Martins, que trouxe detalhes de conflitos de terras e ação de pistoleiros, muitas vezes protegidos pelo próprio governo, a advogada Giane Alvares (MST), os secundaristas e Andreza Delgado, do MPL (Movimento Passe Livre).

“Se tiver um grupo no país que não estiver tendo o direito de protesto respeitado [dentro dos padrões internacionais], algo de errado está acontecendo”, comentou Clément. Ao final, afirmou que fez anotações dos casos relatados e deixou  o canal aberto da divisão da qual faz parte na ONU para que os movimentos sociais façam novas denúncias, bem como para o acompanhamento do que foi relatado durante o encontro. O relator não comentou especificamente a condenação dos 23 participantes de protestos de 2013 e 2014 no Rio, divulgada na última terça-feira (17).

(Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

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