A CUT sempre defendeu que sindicatos, federações, confederações e ela própria tenham financiamento garantido por mensalidade de seus associados e contribuição da negociação coletiva
Por Artur Henrique Silva Santos(*), no Teoria e Debate
Vamos colocar os pingos nos “is”. Que uma grande parte da mídia desinforma, distorce, mente e está a serviço dos donos das redes não é novidade. No caso da “deforma trabalhista” e da aprovação do fim do imposto sindical, a mensagem tem um só objetivo: buscar eliminar as resistências dos sindicatos à implementação da agenda de desmonte dos direitos dos trabalhadores e ao mesmo tempo fortalecer o setor empresarial.
Prova disso é que nenhum dos grandes meios de comunicação sequer aponta a manutenção de todos os benefícios do Sistema S como mecanismo de sustentação da estrutura empresarial, mas eles se apressam em dizer que a luta das centrais sindicais contra a terceirização e a “deforma trabalhista” é apenas uma luta para manter o imposto sindical.
Como todos sabem, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) nasceu defendendo a liberdade e a autonomia sindical (Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho – OIT), e se colocando contra os pilares da estrutura sindical vigente: o imposto sindical e a unicidade sindical.
Mas o que quer dizer exatamente essa tal liberdade e autonomia sindical? Que são os próprios trabalhadores que devem decidir sobre as formas de organização e de financiamento das suas organizações, sem interferência do Estado, dos patrões, da Igreja ou do partido político. Portanto, contra a imposição representada pelo imposto sindical (contribuição sindical) e contra a unicidade sindical imposta pela lei que não se confunde com a unidade dos trabalhadores enquanto classe.
E assim tem sido historicamente, no início dos anos 1990, quando a CUT lançou a proposta de Sistema Democrático de Relações do Trabalho (SDRT) e mais recentemente na sua atuação junto ao Fórum Nacional do Trabalho (FNT), a central sempre se pautou pela defesa de que os sindicatos, as federações, as confederações e ela própria tenham seu financiamento garantido através de duas fontes principais de recursos.
A primeira fonte é a mensalidade sindical dos seus associados, que é o valor que o trabalhador paga mensalmente ao seu sindicato quando resolve livremente se sindicalizar (ou seja, tornar-se sócio), cujo valor normalmente é de 1% do salário do trabalhador; e a segunda é a contribuição da negociação coletiva, que diz respeito a uma contribuição aprovada em assembleia dos trabalhadores (sócios e não sócios), cujo percentual é variável e tem como parâmetro o resultado das negociações coletivas e do acordo coletivo de trabalho firmado entre a representação empresarial e a representação sindical dos trabalhadores.
Note que essa proposta exige que o trabalhador participe e decida (não é imposto, não é imposição). Mas ele tem de participar da assembleia geral dos trabalhadores sócios e não sócios para decidir se aprova ou não o desconto e de quanto será o valor. É a soberania da assembleia dos trabalhadores que deve decidir, e não uma carta modelo, uma carta padrão feita pela área de recursos humanos (RH) das empresas dizendo que o trabalhador não aceita que seja descontado nada do seu salário ou, pior ainda, como querem os defensores da “deforma trabalhista”, que os trabalhadores façam uma carta solicitando que seja descontado o valor do seu salário.
Até porque ninguém quer abrir mão dos benefícios conquistados na negociação coletiva, não é mesmo? Ficar sem o reajuste de salário, sem aumento real, sem o aumento do tíquete refeição, sem os direitos sociais, isso ninguém nem pensa cogitar. Para conquistar e manter tais benefícios, esses resultados positivos, o sindicato junto com os trabalhadores (principalmente aqueles que são associados) gastam muito dinheiro para elaborar boletins, jornais, ter assessoria jurídica, assessoria econômica, carros de som etc., para que todosos trabalhadores tenham acesso aos resultados do acordo (sejam eles sócios ou não). Por isso, a cobrança da taxa da negociação coletiva.
Claro que estamos falando de sindicatos sérios, representativos, com organização a partir do local de trabalho, que atuam o ano inteiro dialogando com os trabalhadores e trabalhadoras, que fazem assembleias amplamente divulgadas etc.; e não sindicatos fantasmas que nunca aparecem na base, e dos quais a grande maioria dos trabalhadores sequer sabe quem são os diretores ou ainda pior qual é o sindicato que os representa. Aqueles cuja existência só é lembrada quando há o desconto de uma taxa no salário. Esses têm mais é de acabar mesmo, porque não são sindicatos que representam os trabalhadores.
Mas infelizmente não é essa a discussão que estamos travando hoje no Brasil – entre sindicatos mais ou menos representativos –, e sim a decisão de um governo golpista, amparado por supostos empresários que só pensam no lucro imediato, por meio da redução de custos e da retirada de direitos e flexibilização, e nas decisões de uma parte de um Judiciário que continua tratando a relação capital–trabalho como se fosse entre “iguais”. Tratam o lado sindical como aquele que só recolhe taxas dos trabalhadores, ou atrapalha o direito de ir e vir das pessoas quando fazem greves e mobilizações, e o lado empresarial como o que necessita ser mais competitivo em nível internacional e, portanto, é preciso deixar que o mercado resolva pacificamente os conflitos, de preferência com a polícia e o Exército para “manter a ordem”.
Por trás dessa disputa de classe, ideológica e de valores, está o fato de que é necessário “convencer” os trabalhadores que eles não precisam de sindicato, que a competição, o individualismo e a meritocracia vão garantir “um futuro melhor”.
Daí a tratar o conjunto da classe trabalhadora como empreendedores liberais, como donos do seu próprio destino é um passo para a tentativa de desconstrução da identidade de classe, e para avançar na perspectiva de trocar as relações conflituosas da relação capital versus trabalho por relações comerciais entre o capital e o prestador de serviço; entre o principal e o terceirizado; entre o proprietário dos meios de produção e o empreendedor.
O desafio, portanto, é enorme para o movimento sindical, principalmente se levarmos em consideração o aumento da fragmentação da classe trabalhadora, com as novas formas de contratação e de jornada que passam a fazer parte do cotidiano da vida dos trabalhadores e trabalhadoras a partir da aprovação da “deforma trabalhista” e da ampliação da terceirização sem limites para qualquer atividade empresarial ou no setor público.
São trabalhadores contratados como pessoa jurídica (Pjs; MEIs; “microempresários”), trabalhadores com jornadas parciais, flexíveis, intermitentes (trabalham dois ou três dias na semana segundo a lógica da necessidade empresarial), sem local fixo de trabalho (home office, trabalho “on-line” etc.).
Será preciso recolocar como tema e bandeira de luta cada vez mais estratégica e estrutural a redução da jornada de trabalho sem redução de salário para que todos possam trabalhar. Assim como será necessário rediscutir a lógica da representação dos trabalhadores por categoria, para outra lógica que siga na direção da organização por ramo de atividade econômica ou mesmo por cadeia produtiva; e o fortalecimento ainda maior das redes internacionais de trabalhadores; e será fundamental a articulação e aprovação de uma legislação de proteção social a todos os trabalhadores e trabalhadoras, independentemente das formas de sua contratação ou de jornada de trabalho ou mesmo de local de trabalho. Enfim, novos arranjos institucionais para novas formas de organização do trabalho.
Aliado a tudo isso, uma rediscussão da organização dos trabalhadores e trabalhadoras em conjunto com movimentos sociais e partidos de esquerda, para atuar junto com os movimentos de cultura, de arte, de lazer nos bairros, nas periferias, pois esses movimentos conseguem politizar os dilemas e problemas atuais nas suas expressões artísticas, ao mesmo tempo em que trazem várias pautas importantes: da violência, do transporte, do trabalho, da cultura na discussão do desenvolvimento local, da economia solidária, da educação, das novas formas de comunicação e da disputa de classe.
Mas para que isso aconteça é preciso lutar para que a democracia seja restaurada no Brasil, em seguida garantir que vamos ter eleições livres e diretas e que todos os candidatos e candidatas tenham direito de participar, incluindo Lula, e que depois do resultado todas as medidas contrárias ao interesse da maioria dos brasileiros sejam revogadas para que se restabeleçam o diálogo e a reconstrução do país.
(*)Artur Henrique Silva Santos é diretor da Fundação Perseu Abramo, ex-presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
(Foto: Edu Guimarães/SMABC)