A situação assustadora é que além da humanidade não conseguir cortar as emissões de carbono, a Terra assumirá o protagonismo e começar a adicionar ainda mais as emissões por conta própria. Um recente estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, uma equipe de pesquisadores liderada por Yi Yin, mostra que no ano passado, em meio a condições de seca induzidas pelo El Niño, as queimadas da Indonésia emitiram mais de 1,5 bilhão de toneladas de equivalentes de dióxido de carbono para a atmosfera. Isso é mais do que as emissões anuais do Japão”, José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 28-10-2016.
Eis o artigo.
“Yes, and how many years can a mountain exist,
Before it’s washed to the seas (sea)
Yes, and how many years can some people exist,
Before they’re allowed to be free?
Yes, and how many times can a man turn his head,
And pretend that he just doesn’t see?
The answer, my friend, is blowin’ in the wind
The answer is blowin’ in the wind”.
Bob Dylan
O Acordo de Paris está prestes a entrar em vigor, com o cumprimento de duas condições: 1) assinatura e ratificação de pelo menos 55 países dos 197 que participaram da COP-21; 2) estarem representados no mínimo 55% dos países responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Acordo entrará em vigor antes da COP-22, que vai acontecer em Marrakesh, no Marrocos, de 7 a 18 de novembro de 2016. Porém, o mundo está distante da meta de descarbonizar a economia, enquanto a manutenção do ritmo de degradação ambiental estabelecido nas últimas décadas pode ser desastrosa.
A população mundial cresceu cerca de 3 vezes entre 1950 e 2016, passando de 2,5 bilhões de habitantes para 7,5 bilhões. A economia cresceu muito mais (12,2 vezes) nesse período. Assim, o PIB per capita cresceu cerca de 5 vezes entre 1950 e 2016. Segundo o relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) o crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010. Mesmo levando-se em conta as desigualdades sociais, cada nova pessoa (umas mais do que as outras) significa extração adicional de recursos naturais. Assim, o crescimento econômico que produz bem-estar humano ocorre às custas do mal-estar ambiental.
Do ponto de vista climático, para diminuir o impacto do crescimento econômico e da degradação ambiental seria preciso descarbonizar a economia, ou seja, diminuir a emissão per capita de gases de efeito estufa (GEE), pois o dióxido de carbono (CO2) corresponde a quase 80% destes gases. Contudo, o que aconteceu foi um aumento de 60% entre 1960 e 2011, segundo dados do Banco Mundial. Mais gente poluindo cada vez mais.
O gráfico abaixo mostra que a concentração de CO2 na atmosfera variou de 185 a 280 partes por milhão (ppm) nos últimos 800 mil anos, antes da Revolução Industrial e Energética. A variação de CO2 na atmosfera é a principal responsável pela mudança da temperatura entre os períodos mais quentes e os períodos glaciais.
Após o início do uso generalizado dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás) a concentração de CO2 na atmosfera subiu para 400 ppm em 2015 e 407,7 ppm em maio de 2016, acelerando o aquecimento da atmosfera. Isto quer dizer que o clima na Terra deve voltar para o nível do período Eemiano que estava pelo menos 2º C acima da média do século XX e o nível do mar estava entre 5 e 6 metros acima do nível atual.
Com a crescente emissão de gases de efeito estufa (GEE), o clima na Terra caminha para um nível sem precedentes nos últimos 5 milhões de anos. Se as emissões de GEE continuarem a temperatura do Planeta pode chegar a 4,5º C acima da média do século XX (cerca de 5º C acima da média do Holoceno) até 2100. Isto levaria à elevação do nível dos oceanos e à inundação de amplas áreas costeiras, inclusive de grandes cidades ao redor do mundo, afetando diretamente a vida de pelo menos 500 milhões de pessoas.
O gráfico mostra que entre 1880 e 1900 a temperatura estava 0,2oC abaixo da média da temperatura do século XX (linhas azuis). Entre 1901 e 1950 a média da temperatura ficou 0,15oC abaixo da média do século passado e entre 1951 a 2000 ficou 0,15oC acima da média. Portanto, houve um aumento de temperatura, mas que alguns céticos consideravam como efeito natural.
Porém, o ano de 1998 foi o mais quente do século XX e ficou 0,63oC acima da média secular. E o que estava ruim, piorou muito no século XXI, pois a temperatura em 2015 ficou 0,90oC acima da média do século XX, um acréscimo de 0,27oC em apenas 17 anos.
Surpreendentemente, os três primeiros meses de 2016 tiveram um aumento climático extremamente elevado, não antecipado por ninguém e nenhum modelo estatístico. O aumento da temperatura em relação à média do século XX foi de 1,04oC em janeiro, de 1,21oC em fevereiro e de 1,22oC em março de 2016, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA).
Ou seja, em relação ao final do século XIX, o aumento da temperatura nos meses de fevereiro e março de 2016 ficou quase 1,5oC mais elevada. Isto é a meta de limite de aumento da temperatura proposta pelo Acordo de Paris para o ano de 2100. No primeiro semestre de 2016 a temperatura ficou 1,05º C. acima da média do século XX. É a primeira vez que se registra um semestre com temperatura acima de 1º C. Tudo isto acendeu o alerta e os ambientalistas estão falando em emergência climática.
O gráfico abaixo foi apresentado na abertura da Olimpíada Rio 2016 e serviu para divulgar a gravidade do aumento da temperatura global e chamou a atenção para a luta em defesa do meio ambiente e contra o atual modelo marrom de desenvolvimento.
Em artigo publicado em março de 2016, no periódico Atmospheric Chemistry and Physics Discussion, o cientista James Hansen e colegas (2016) confirmam que o aumento da temperatura em 2ºC pode ser extremamente perigoso, pois pode gerar super-furacões e elevar o nível do mar, no longo prazo, em vários metros, ameaçando as áreas costeiras em geral, especialmente as mais povoadas.
A queima dos combustíveis fósseis é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE). Mas também a pecuária emite grande quantidade de metano que tem um efeito 34 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. Artigo de Dr. David Suzuki(30/09/2016) mostra como as emissões de CO2 estão causando estragos no planeta.
Artigo publicado na revista BioScience, no início de outubro de 2016, mostra que os reservatórios das usinas hidrelétricas são uma enorme fonte de emissão de metano. A produção de metano dos reservatórios é comparável com as plantações de arroz ou queima de biomassa do mundo. Os pesquisadores da Universidade Estadual deWashington dizem os estudos anteriores subestimam os efeitos dos reservatórios do mundo na produção de GEE, eles avaliam a produção equivalente a cerca de 1 gigaton de dióxido de carbono por ano, ou 1,3 por cento de todos os gases de efeito estufa produzidos pelo ser humano. Isso é mais do que a produção de GEE de todo o Canadá.
Os seres humanos já lançaram 1,9 trilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), para evitar o pior cenário, o mundo só pode emitir, entre 2012 e 2100, 1.000 gigatoneladas (Gt) de CO2. Em termos médios, isso significa que o mundo só pode liberar no máximo 11,3 GtCO2 por ano até 2100. O problema é que as emissões estão atualmente em 50 Gt de GEE, o que dá uma ideia do tamanho do desafio para fazer essa redução. O chamado “orçamento de carbono” não está sendo cumprido. As INDCs do Acordo de Paris não são suficientes para resolver o tamanho do desafio.
Há estudos que mostram que a liberação de 2,9 trilhões de toneladas de carbono para a atmosfera e oceanos pode elevar a temperatura do planeta em mais de 5º C (graus Celsius) acima das temperaturas pré-industriais. O risco adicional do aquecimento global e do degelo do Ártico e das regiões próximas é que isso fará com que a liberação da totalidade ou de uma parte dos 5 trilhões de toneladas de carbono preso como metano congelado na tundra e no permafrost, retroalimentando o processo de efeito estufa.
Novo estudo liderado por James Hansen e mais 11 cientistas (04/10/2016) mostra que a temperatura da Terra está em torno de 1,25º C acima do período pré-industrial e o ritmo de aumento é de 0,18º C por década. Nesta taxa o Planeta vai repetir a temperatura do período Eemiano, que terminou a 115 mil anos atrás, quando havia muito menos gelo e o mar estava entre 6 e 9 metros acima dos níveis atuais. O estudo lança um alerta e mostra que as metas (INDCs) do Acordo de Paris não são suficientes para evitar acatástrofe climática.
O limite considerado seguro para a concentração de CO2 na atmosfera é 350 ppm, mas já passamos permanentemente de 400 ppm e podemos chegar a 450 ppm até 2030. No ritmo atual será preciso atingir “emissões negativas” para cumprir com o Acordo de Paris. Porém, artigo recente publicado na revista Science por Kevin Anderson e GlenPeters (14/10/2016) mostra que ninguém sabe se a remoção de carbono da atmosfera funcionará, mas esta ideia, tacitamente, dá às pessoas uma licença para poluir. Eles dizem: “As tecnologias de emissões negativas não são uma apólice de seguro, mas sim um jogo injusto e de alto risco”.
Ninguém ignora, pois, o fato de a humanidade usar a biosfera da pior forma possível e aumentando a vulnerabilidade social e ambiental. Existem autores que enxergam neste processo um conflito irremediável entre os interesses egoísticos e o gerenciamento do bem comum. O termo Tragédia dos Comuns, proposto em 1968 por Garrett Hardin, volta à tona. O conceito considera que o uso irrestrito de um recurso finito (como o ar limpo) pode levar à sua degradação por conta de uma superexploração ou manejo inadequado.
A situação assustadora é que além da humanidade não conseguir cortar as emissões de carbono, a Terra assumirá o protagonismo e começar a adicionar ainda mais as emissões por conta própria. Um recente estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, uma equipe de pesquisadores liderada por Yi Yin, mostra que no ano passado, em meio a condições de seca induzidas pelo El Niño, as queimadas da Indonésia emitiram mais de 1,5 bilhão de toneladas de equivalentes de dióxido de carbono para a atmosfera. Isso é mais do que as emissões anuais do Japão. A Indonésia é muito parecido com o Ártico, onde ainda maiores quantidades de carbono são armazenadas no permafrost, e também são vulneráveis. Ou seja, há um efeito de retroalimentação com o aumento do aquecimento global que tende a liberar o metano do permafrost e acelerar as queimadas nas áreas tropicais (inclusive a Amazônia, Cerrado, Caatinga, etc.) aumentando a concentração de GEE na atmosfera.
Para evitar a Tragédia dos Comuns seria fundamental o gerenciamento dos bens comuns como mostrou Elinor Ostrom. Um fato positivo foi a assinatura de um acordo que visa à eliminação progressiva dos hidrofluorocarbonos (HFC), por quase 200 países, reunidos em Kigali, capital de Ruanda, no dia 15 de outubro de 2016. Mas o Acordo de Paris precisaria ser colocado em prática rapidamente, possibilitando o desacoplamento das emissões de CO2 da produção de bens e serviços e a menor emissão de metano pela pecuária. A necessidade de mudança de rumo é dramática.
Ou se descarboniza a economia e se reduz as emissões de GEE ou todas as áreas costeiras do mundo vão ficar debaixo d’água, provocando grandes prejuízos materiais e grande sofrimento social. Diversos estudos consideram que a continuidade do aquecimento global pode tornar a Terra inabitável a grandes formas de vida, incluindo os seres humanos. O Planeta pode voltar ao estágio da existência de somente vida bacteriana. Seria a involução das espécies provocada por uma espécie que se julga inteligente e superior. O aquecimento global pode provocar uma tragédia comum a todos os vertebrados.
Fonte: Revista IHU Online