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Entidades com sede no Grande Recife sofrem para pagar contas do mês. No começo do ano, a Viva Rachid fechou as portas por falta de recursos.

Imóvel onde funcionava o Viva Rachid está à venda para quitar dívidas trabalhistas (Foto: Luna Markman/G1)
Imóvel onde funcionava o Viva Rachid está à venda para quitar dívidas trabalhistas (Foto: Luna Markman/G1)

Organizações não governamentais que oferecem apoio no tratamento de pessoas com HIV e Aids em Pernambuco sobrevivem a duras penas. No dia em que a luta contra a doença é lembrada no mundo (1° de dezembro), o cenário é desolador no Recife, onde ao menos duas ONGs — GTP+ e Gestos — estão com dificuldades financeiras para manter os serviços. Este ano, a Viva Rachid, outra importante entidade, fechou as portas com contas a pagar e problemas na estrutura do imóvel-sede, deixando de auxiliar crianças e adolescentes. Somente no último ano, 1.537 casos da doença foram registrados no estado, conforme a Secretaria de Saúde. Quinhentas e vinte quatro pessoas morreram vítimas do vírus em 2013.

O Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) foi fundado em 2000 por pessoas com HIV e seus familiares. Entre eles, Wladimir Cardoso, que descobriu a doença aos 25 anos e hoje, aos 53, coordena a ONG. A entidade foi uma das primeiras a oferecer esse tipo de ajuda no Nordeste. “Antes do GTP+, a gente se encontrava nos hospitais, para ver os que ficavam doentes, os que morriam e os novos pacientes. A chegada do AZT, primeiro antiviral, nos anos 1990, nos proporcionou perspectiva de futuro, pois antes ter HIV e Aids era um atestado de óbito. Então, começamos a nos organizar e uma política foi se formando no estado”, conta.

Wladimir Cardoso toca projeto da Cozinha Solidária no GTP+ (Foto: Luna Markman/G1)
Wladimir Cardoso coordena GTP+, que ajuda pessoas em situação de vulnerabilidade social (Foto: Luna Markman/G1)

Wladimir lembra que, logo no início, uma instituição alemã apoiou a estruturação da ONG, doando equipamentos e verba para custos de aluguel. O foco do atendimento ainda hoje é nos profissionais do sexo e pessoas vivendo com HIV em situação de vulnerabilidade social. Depois, outras agências de cooperações internacionais ajudaram o GTP+ com treinamento, recursos humanos, financiamento de projetos e doações.

Foi quando surgiu a ideia e as condições necessárias para montar uma cozinha que pudesse contratar cozinheiros e auxiliares demitidos dos trabalhos por conta da doença. “Conseguimos apoio para montar esse restaurante-escola Cozinha Solidária. É a primeira da América Latina onde os integrantes ou são pessoas vivendo com HIV ou profissionais do sexo. A intenção é ajuda a minimizar o preconceito, a discriminação e também fornecer alimentação adequada a essa população”, explica.

O coordenador lembra que, a partir de 2010, as cooperações internacionais começaram a ir embora. A justificativa, segundo ele, era que o Brasil deixou de ser visto como um lugar de necessidade por essas instituições. “Hoje, vivemos em um momento de instabilidade, porque precisamos de R$ 4.500 para as despesas fixas, como luz, água, telefone, aluguel, impostos, mantimentos, e a venda de comidas não dá conta. Em 2012, fomos pedir para holandeses ajuda para pagar oito meses de aluguel atrasado e eles nos disseram: ‘seu povo precisa ajudar seu próprio povo’. Dissemos que o povo tem nos ajudado, com doações. O que falta é apoio governamental”, aponta.

De acordo com Wladimir, algumas ONGs dependem da abertura de editais municipais para captar recursos para projetos, mas eles estão diminuindo a cada dia. Atualmente, 16 pessoas trabalham como colaboradores no GTP+, recebendo apenas uma ajuda de custo, além de três profissionais contratados, em um imóvel na Avenida Manoel Borba, na Boa Vista, área central do Recife.

O grupo é pequeno para atender até 100 pessoas por mês, que vêm de todos os cantos do estado. Gente que chega com fome, sem dinheiro nem para o transporte. “Não estamos conseguindo proporcionar um acolhimento digno a todas essas pessoas”, lamenta.

Entre os que batalham pela continuidade do GTP+ está um jovem de 19 anos que ganhava dinheiro fazendo sexo com estranhos em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, e descobriu há pouco mais de um mês, na própria ONG, que estava infectado pelo vírus. “Eu vim assistir a uma palestra sobre tráfico de pessoas quando fiz o teste. Foi tenso quando descobri, por conta do histórico da doença e o medo da rejeição, principalmente familiar, mesmo sabendo que há remédios para ajudar”, diz.

O jovem afirma que a descoberta da doença o aproximou da família. Atualmente, ele trabalha como auxiliar de cozinha no GTP+. “Eu percebi que estava realmente abaixo do patamar que uma pessoa deve viver. Eles [a ONG] me deram um compromisso para eu assumir e ajudar a mim mesmo. Antes, trabalhava com sexo, me drogava. Hoje tenho um foco: quero terminar meus estudos, fazer faculdade e voltar para a ONG para ajudar ainda mais. Eu faço o mínimo hoje, mas sou um bom exemplo”, comenta.

O comerciário Ednaldo Brandão dos Santos, 51 anos, também colabora com a GTP+. Ele lembra que a morte de alguns amigos acedeu o sinal de alerta e o estimulou a fazer o teste, que deu positivo. O ano era 1993, pouco tempo depois da morte de Cazuza pela mesma doença. Com apenas 21 anos, achou que tinha apenas mais um de vida.

Ednaldo relata que largou o emprego e passou a frequentar grupos de apoio em hospitais. “Eu achava que ninguém ia dar emprego quando pedisse os exames admissionais. Por isso, espaços como esses, são importantes. Muitas vezes as pessoas não têm o apoio da família e as ONGs dão suporte, com assessoria jurídica, psicológica, ou seja, dá um norte. É lamentável que o governo não ajude, pois elas [as ONGs] fazem um trabalho que é dever dele”, critica.

Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, casos da doença têm aumentado entre jovens de 20 a 34 anos e idosos acima dos 50 anos nos últimos anos. “Qualquer um de nós está vulnerável à transmissão, principalmente sexual. Basta deixar de usar camisinha. A prioridade depois de um comportamento como esse é fazer o teste, pois quando se infecta não há sintomas em um primeiro momento. A falta desse diagnóstico precoce e a não adesão ao tratamento contribuem para o aparecimento dos casos”, explica o coordenador do Programa Estadual de DST/Aids, François Figueirôa.

Fim de uma luta
Foi por essa falta de apoio que a Viva Rachid encerrou as atividades no começo deste ano, após 20 anos de atuação. A falta de voluntários e o fim de um convênio com o governo federal para repasse de recursos resultou no fechamento da ONG, que ainda enfrentava problemas com a estrutura precária na sede, localizada na Rua Prazeres, no bairro dos Coelhos, também no Centro da capital. Hoje, o imóvel está à venda para quitar dívidas trabalhistas.

A entidade foi fundada em 1994 por Alaíde Rachid, após a morte do filho, vítima do vírus HIV, adquirido por meio de uma transfusão de sangue em um hospital público. A Viva Rachid atendia a cerca de 60 crianças e adolescentes, que estavam em tratamento em casa. “A gente sempre trabalhou com captação de recursos da sociedade civil e organizações nacionais e internacionais, além de editais via governo federal, estadual e municipal. O problema é que esses editais estão cada vez mais escassos, nas mãos dos municípios. Agora, jogaram a verba que era específica para HIV para projetos de saúde em geral, concorrência que dificultava ainda mais o nosso trabalho”, argumenta.

Alaíde admite que cansou de correr atrás de recursos e parceiros. A ONG foi esmaecendo aos poucos e fechou quando não podia mais dar um atendimento bom e seguro às pessoas. “Foi uma história de vida com dedicação exclusiva, sem ver dinheiro algum. Apenas, via a pessoa precisando e estava ali para ajudar, me vi fazendo mais papel de Estado que o próprio Estado. O tempo para liberar o dinheiro é dele [do governo], mas a responsabilidade com os clientes é nossa. Hoje, eu analiso que cada um de nós foi um franco atirador com muita vontade de acertar”, diz a mulher que foi levada a um orfanato aos 13 anos e afirma saber o que é abandono.

Doença da população pobre
A ONG Gestos, localizada no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, também sente os efeitos do abandono. Fundada há 21 anos para denunciar a falta de políticas públicas para soropositivos no estado no início da epidemia e oferecer orientação para os doentes, hoje enfrenta problemas financeiros para manter o atendimento.

Ação da ONG distribuiu camisinhas para mulheres em mercados públicos (Foto: Divulgação/ gestos)
Equipe da Gestos distribui camisinhas para mulheres em mercados públicos do Recife (Foto: Divulgação/ Gestos)

Josineide Meneses, uma das coordenadoras, afirma que diminuiu o número de editais e reclama que eles determinem, muitas vezes, a contratação de pessoas fora do quadro da instituição para tocar os projetos contemplados. Além disso, os editais também não incluem verba administrativa, ou seja, para pagar contas de luz, água, aluguel, entre outros. Por mês, a ONG gasta cerca de R$ 5 mil com essas demandas.

A saída é contar com doações e dinheiro arrecadado em bazar, bingo, festa. A entidade luta todo mês para continuar atendendo a um público carente de informações, principalmente sobre benefícios sociais e apoio jurídico. “A Aids hoje saiu da agenda de prioridade do mundo, que foca agora a Ásia e a África. A própria Europa, que acostumava a nos ajudar mais, entrou em crise. Além disso, a Aids foi deixando de ser aquela doença que mata rapidamente por conta da medicação e, por isso, foi secundarizada nas políticas públicas. No entanto, no Brasil, principalmente no Nordeste, ela continua crescendo e é uma doença da população pobre, então, se não houver organizações como a nossa, a gente termina por isolar essas pessoas com HIV, que ainda sofrem com o estigma e o preconceito”, disse a coordenadora.

Em relação aos editais, a Prefeitura do Recife informou que vai lançar, em março do próximo ano, documento voltado para as ONGs a fim de repassar verbas específicas. O conteúdo das propostas ainda será definido. Este ano, a gestão municipal não lançou editais para as entidades. Já a Coordenadoria do Programa de DST/Aids da Secretaria de Saúde de Pernambuco informou que manteve o número de editais destinados a organizações que atendem a soropositivos. Este ano, foram oferecidos 14 projetos, sendo registradas 10 inscrições de candidatos. Oito delas foram aprovadas, incluindo duas propostas do GTP+ e outras duas da Gestos.

Quem quiser contribuir com o GTP+ pode fazer doações para agência 3175-5, conta 05336-6, do banco Itaú, telefone (81) 3231-0905. Já a Gestos recebe ajuda financeira pela agência 3108-9, conta 9071-9, Banco do Brasil, e atende no número (81) 3421-7670. As entidades também aceitam alimentos, material de higiene, roupas e sapatos, a serem entregues nas próprias unidades.

 

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