Tramitação de projeto de lei criado a partir de reivindicações e discussões de movimentos sociais e ONGs é vista pela imprensa somente a partir da ótica de partidos e empresariado. Pauta da mídia no período incluiu ainda manifestações contra a violência policial e propostas repressivas contra o Black Bloc
As tentativas de votação na Câmara dos Deputados do Marco Civil da Internet alcançaram grande repercussão na pauta. Apesar de estar na origem das reivindicações e discussões que levaram à construção do Projeto de Lei 2126/2011, organizações e movimentos da sociedade civil foram pouco lembradas nas matérias. No caso do Marco Civil, fruto de uma discussão coletiva organizada pelo Ministério da Justiça que durou meses e mobilizou parcelas importantes da sociedade, o erro torna-se mais grave.
A maioria das matérias focam as negociações e movimentos dos partidos e deputados na Câmara, mas poucas contextualizam essas ações expondo os setores sociais que apoiam cada parlamentar. Alguns veículos saem da disputa estritamente partidária e avançam ao expor a disputa empresarial que se formou em torno do Marco Civil: entre empresas produtoras de conteúdo (como Google, Facebook e emissoras de TV, entre outras) e as teles. O lado empresarial fica coberto, mas não há sequer uma menção às organizações da sociedade civil e movimentos sociais.
A neutralidade da rede, proibindo as teles de cobrar preços diferentes de acordo com o conteúdo que cada usuário acessar, e a obrigação de armazenamento de dados no país, medida vista pelo Planalto como forma de combater espionagem, são os pontos mais criticados pelos opositores, com destaque para as empresas de telecomunicação. O Planalto pronunciou-se a favor do texto do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), definido a partir de um longo processo de discussão com a sociedade civil. O principal foco da revolta na base aliada é o PMDB, especialmente o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Além da falha em não registrar as posições das OSCs, alguns veículos realizaram matérias pouco equilibradas. Esta do site Info Abril abre espaço apenas para o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), principal opositor da neutralidade da rede. A matéria cita ainda os interesses e argumentos das empresas de telecomunicações, defendidos por Cunha, e não abre espaço para nenhum dos defensores da neutralidade, sejam ONGs, movimentos sociais ou acadêmicos.
Outro destaque vai para esta matéria do site R7 que traz exclusivamente a versão de uma das empresas que se julgam prejudicadas pelos pontos acima, e explica em letras miúdas ao final do texto: a reportagem viajou para Florianópolis a convite da empresa. É uma amostra do tipo de poder de mobilização que detém o capital em questões como esta. Em texto de outro site, setores avaliam que obrigatoriedade de armazenamento no país pode ampliar mercado de datacenters.
Sobre a tramitação, o governo acenou com a possibilidade de mudanças “redacionais” no texto, inclusive no parágrafo sobre a neutralidade. A votação está prevista para o dia 19. Além das disputas em torno do próprio Marco Civil, as negociações na Câmara se misturaram com o projeto de lei que cria um piso nacional para os agentes comunitários de saúde, classificado pela presidenta Dilma como uma “bomba fiscal”.
Violência policial segue em pauta com atos no Dia de Finados
As denúncias de violência policial contra moradores e moradoras da periferia de Rio e São Paulo seguem em alta na cobertura da mídia, abrindo espaço para as ONGs que trabalham com a questão. O período foi marcado por uma série de manifestações nas duas cidades, organizadas por ONGs e movimentos sociais.
A principal deixa para as manifestações foi o Dia de Finados, em 2 de novembro. As matérias em geral são corretas, registrando os atos, ouvindo lideranças e familiares. Na favela da Rocinha, no Rio, uma passeata foi organizada pela família do pedreiro Amarildo, desaparecido desde o dia 14 de julho deste ano. Com apoio de ONGs, a família cobra do Estado o paradeiro do corpo de Amarildo. O ato ganhou repercussão.
Em São Paulo, a frase dita pelo garoto Douglas Rodrigues ao ser baleado por um policial foi mote de dois protestos: “Por que o senhor atirou em mim?”, perguntaram faixas e camisetas na Vila Medeiros, zona norte da capital, onde reside a família de Douglas, e no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, onde a frase foi utilizada por uma caminhada que há 18 anos reúne centenas de pessoas para denunciar a violência no bairro.
Os jornais também abordaram outros aspectos da questão, como as 361 denúncias de violação de direitos humanos a que o Brasil responde na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. As denúncias foram feitas pelas famílias com apoio de ONGs como a Justiça Global e a Conectas, citadas nas matérias e que parecem estar conseguindo consolidar uma posição com a imprensa escrita carioca como fontes nestes temas.
Outra ação veio da Defensoria Pública de São Paulo, que denunciou 34 casos de abuso policial na favela de Paraisópolis, na capital, desde que a PM ocupou a comunidade em outubro de 2012. Entre os casos, está uma adolescente que perdeu um olho por conta de uma bala de borracha.
O Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (DDH) está realizando um estudo a respeito dos desaparecidos no Rio de Janeiro comparando o aumento no número de registros desses casos com a diminuição dos autos de resistência (morte em confronto com a polícia). Os responsáveis pela pesquisa avaliam que os policiais militares estão cometendo mais assassinatos, porém passaram a sumir com o corpo da vítima, para atrapalhar as investigações. A realização de estudos e pesquisas é um caminho importante para que as ONGs conquistem espaço e legitimidade na mídia.
Por fim, numa notícia triste para a defesa dos direitos humanos, a Justiça rejeitou denúncia do Ministério Público contra o coronel da PM que comandou a desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP).
Mídia e políticos debatem Black Bloc
Em paralelo aos crescentes questionamentos contra a polícia, as ações de militantes da tática black bloc também ocuparam grande espaço na imprensa e no debate político, em alguns casos envolvendo diretamente ONGs. As discussões apontando para medidas mais repressivas pelos governos e polícias reforça a necessidade de ação as ONGs e movimentos em defesa do direito de livre manifestação.
A revista Época teve grande repercussão com matéria divulgada no sábado (9), na qual relata visita a acampamento Black Bloc no interior de São Paulo. A matéria destacou-se num primeiro momento por conta de um suposto financiamento dos adeptos da tática por ONGs nacionais e estrangeiras. As ONGs e instituições citadas, entre elas a CNBB , negaram o repasse de recursos para a ONG Defensoria Social, coordenada pelo manifestante que intermediou a visita da revista ao sítio. Essa negativa não inviabilizaria a citação da informação na matéria, desde que o texto deixasse claro que ela vem de apenas uma fonte e sem nenhuma outra comprovação. Mas certamente há erro grave e tendência ao sensacionalismo no uso de uma informação não comprovada no título e outras chamadas para o texto.
No mundo político, declarações e articulações – vindas de oposição e situação no plano federal – se posicionaram majoritariamente contra as depredações em protestos sociais. A presidenta Dilma Rousseff repudiou manifestações violentas, que chamou de fascistas. Na oposição, o ex-presidente Fern ando Henrique Cardoso criticou o “encolhimento” do Estado frente à ação de “vândalos” em artigo no Estadão. Do ponto de vista prático, o Ministério da Justiça articula junto com os governos paulista e fluminense uma resposta para coibir violência em manifestações, incluindo mudanças nas leis – como o aumento de pena para casos de agressão e homicídio de policiais.
A cobertura da mídia não se preocupou em questionar a legitimidade deste tipo de medida no fortalecimento da democracia brasileira. Não foram ouvidas ONGs, sindicatos ou movimentos sociais que estiveram em manifestações de que participaram militantes da tática black bloc, o que traria um ponto de vista privilegiado para discutir tanto as ações do grupo quanto a repressão policial. Para as ONGs, é fundamental produzir materiais para denunciar propostas de cunho repressivo.
Entre os fatos positivos, o Estadão divulgou um artigo crítico tanto às estratégias do grupo quanto às respostas meramente policialescas. O jornal publicou também uma entrevista com o historiador de esquerda Perry Anderson, que discute o fenômeno.