Por Nana Medeiros
Em debate realizado na última segunda-feira (27), discutiu-se o panorama político para os próximos quatro anos sob a perspectiva da diversidade e dos direitos humanos. O evento foi promovido pela Ação Educativa, em São Paulo.
Frente a uma nova composição altamente fragmentada e conservadora do Congresso Nacional, representantes da sociedade civil alertaram para o fato de que o novo cenário cria grandes dificuldades para o avanço de direitos sociais. “Qualquer tema que entrar lá pode sair pior do que entrou”, afirmou Marco Antonio Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas. Para ele, talvez este seja o Congresso “mais conservador desde o período de redemocratização do País”.
Para Sueli Carneiro, filósofa e coordenadora executiva do Geledés Instituto da Mulher Negra, “o pânico começa com o crescimento de militares, religiosos e ruralistas eleitos, enquanto os dados sobre gênero e raça são absolutamente desanimadores”. Segundo dados apresentados pela militante, somente 10,37% do parlamento é formado por mulheres, sendo apenas 12 negras. Além disso, entre deputados federais, 9,9% são mulheres, contra 90,10% de homens.
No entanto, na opinião da socióloga e educadora popular feminista Taciana Gouveia, isso não deveria causar espanto. Para ela, a onda conservadora é uma reação aos ganhos e avanços de movimentos contra-hegemônicos dentro de uma sociedade historicamente conservadora. “A sociedade brasileira sempre foi conservadora e elitista, é seu modo natural de ser. Se não, não teríamos ideias/palavreados como ‘povinho’, por exemplo.”
De acordo com Gouveia, o passado escravocrata, o sexismo e o preconceito regional ainda não foram superados pela sociedade brasileira, refletindo na falta de representatividade no Congresso. Segundo a socióloga, o conservadorismo começa a ser questionado pela primeira vez nos anos 80, quando começam a surgir os movimentos sociais. “A direita nunca teve que disputar nada, ela ganhou sempre. Em 1988, começamos a construir um campo democrático com a lógica dos direitos, o que fez com que, devagar, a direita fosse crescendo e voltando”, afirma.
Um exemplo de que o retrocesso na conquista de direitos sociais sempre foi uma realidade encontra-se no fato de que a sociedade brasileira ainda se ancora na ideia da família tradicional, da religião e da moral, colocando em risco principalmente os direitos das mulheres. “Os evangélicos, hoje, são a face mais visível dessa dimensão, mas, mesmo antes, o tema das mulheres não passava. A igreja católica nunca precisou de bancada, sempre esteve lá.”
Compreendendo a desvantagem em que se encontra a sociedade civil organizada dentro dos espaços de decisão e poder, Sueli Carneiro reafirmou a necessidade de uma Reforma Política. Para a filósofa e militante do movimento negro e feminista, é preciso alterar os critérios de composição partidária, as regras para votação e o formato das campanhas, como com o fim do financiamento privado, fator que, em sua opinião, mais promove desigualdade no parlamento e corrupção generalizada nos partidos.
Além disso, para ela, a eleição é uma oportunidade de questionar a escolha dos/as candidatos/as pelo “menos pior”. “Se de fato não temos para onde correr, a escolha não pode continuar sendo um cheque em branco sem contrapartida real dos nossos governos de esquerda. É preciso buscar outra qualidade com o governo e sua base aliada.”
Armadilha da governabilidade
Para a presidenta Dilma Rousseff, os desafios também são maiores, como alerta Teixeira. De acordo com o professor, um congresso altamente fragmentado representa para a presidenta um altíssimo custo de governabilidade. A lesgilatura que se encerrou tinha 21 partidos com representação no parlamento. Agora, considerando o Senado, são 29.
Além disso, Teixeira aponta para a questão do presidencialismo de coalização, reforçando a necessidade de se prestar mais atenção à eleição dos/as parlamentares que, para ele, é negligenciada pela sociedade. “Tão importante quanto a eleição para o executivo é a eleição dos/as parlamentares. É por ali que se processam as demandas da sociedade e por onde se tomam decisões sobre ampliação, redução ou entrada na agenda da discussão de direitos de minorias”, afirma.
Nesse sentido, uma maior consciência política nas eleições, tanto do executivo quanto do legislativo, pode ser viabilizada pela Internet. É no que acredita Renato Rovai, editor da Revista Fórum e mediador do debate. Para ele, a Internet cria o espaço para se avançar em discussões e disputas no campo político e, inclusive, deveria ser mais explorada pela sociedade civil organizada.
Para Rovai, a rede explicita , dando mais visibilidade para discursos de ódio. Esse cenário exige, portanto, repensar novos modelos de ação dos movimentos e organizações sociais, o que, para ele, é o maior desafio da sociedade civil. “As ruas mexeram com as pessoas, envolvendo os jovens como nunca vi em outras eleições. Vi uma alta politização dos estudantes. É preciso aproveitar essa energia e construir coisas novas”, afirmou.