Entidades de defesa do consumidor, Conselho Federal e Sociedade Brasileira de Pediatria se posicionam contra o projeto
Publicada no Diário Oficial da União (DO), uma portaria do Ministério da Saúde instaurou um Grupo de Trabalho (GT) no início de agosto para discutir o projeto de Plano de Saúde Acessível. Uma das primeiras propostas do ministro Ricardo de Barros ao assumir a pasta, com o objetivo de “desafogar” o Sistema Único de Saúde (SUS), o oferecimento de planos com preços mais baixos e de menor cobertura é condenado por especialistas na área.
O GT, composto por representantes do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG), tem como prazo máximo o mês de dezembro para apresentar documentos técnicos de qualificação do projeto, além de realizar estudos de seu impacto financeiro de implantação. Segundo Barros, desoneraria até R$30 bilhões do SUS.
José Sestelo, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que este dado é “um palpite” do ministro, já que não há ainda estudos neste sentido, e refuta o que considera uma “falácia”.
“Não há uma relação direta nem elementos para afirmar isso. Os planos de saúde são privativos para quem paga, mas o sistema de saúde é aberto para todos os cidadãos brasileiros. As pessoas que têm plano de saúde sempre utilizaram o SUS e pessoas que estão deixando de ter também continuam utilizando o sistema”, argumentou.
Os chamados planos ambulatoriais, mais baratos e com a possibilidade de realizar apenas consultas e exames, já existem no mercado. A diferença para a nova proposta, portanto, seria o número de procedimentos que os convênios são obrigados a cobrir. Barros afirmou que os planos mais baratos poderiam ter uma redução das exigências para os planos de internação hospitalar.
Para Leandro Farias, idealizador do Movimento Chega de Descaso, o projeto não diminuiria o número de usuários no setor público já que obter um plano privado não seria garantia de assistência à saúde. “O ministro não deve ter sido informado de que procedimentos onerosos como transplantes, vacinas, políticas de acesso a medicamentos como HIV/AIDS, vigilância sanitária, entre outros, são custeados pelo SUS”, disse o ativista, também farmacêutico da Fiocruz.
Ele reitera que, ao se deparar com um mau funcionamento de certas unidades do SUS, por causa de má gestão, subfinanciamento e corrupção, as pessoas optam por acessar a saúde privada; mas a realidade desse segmento, afirma ele, é totalmente diferente da demonstrada durante o processo de aquisição.
“Diversas irregularidades são praticadas pelo setor como o descumprimento do prazo máximo para marcar consultas por parte das operadoras; a precariedade em relação à disponibilidade de profissionais na rede credenciada; presença de cláusulas abusivas nos contratos, que excluem ou limitam a cobertura de uma série de procedimento, além dos aumentos acima da inflação”, recorda entre outras questões.
Há dois anos, Leandro testemunhou sua noiva falecer por causa de uma apendicite. Ana Carolina Cassino, de 23 anos, esperou por 28 horas por uma simples cirurgia no hospital da Unimed, instituição particular localizada na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
“Ana Carolina assim como outros 50 milhões de brasileiros foi iludida a acreditar que ter plano de saúde seria a solução para os problemas relacionados à assistência médica. E assim se tornou mais um número na estatística do descaso, ou seja, mais uma vida ceifada por conta da sanha pelo lucro a qualquer custo por parte do setor privado. A luta por direitos tem de ser coletiva”, disse.
Segmentação
Segundo o vice-presidente da Abrasco, um dos maiores malefícios da proposta de Barros é a indução da segmentação. Ele explica que este tipo de planos, também chamado de “populares”, dividem em subgrupos de oferta de assistência com diferentes preços e, como consequência, aumenta o número de transações e o custo geral do sistema.
Nos EUA, onde existe um sistema de saúde ultra-liberal e segmentado, o gasto com saúde, sejam investimentos públicos e privados, alcança quase 20% do PIB. A média internacional de países com o mesmo nível de renda, como a Inglaterra – que existe um sistema público de saúde bastante fortalecido – está na faixa de 8 a 10%. “O país gasta quase o dobro da maioria dos países, mas não têm resultados sanitários que sejam duas vezes melhores”, disse Sestelo.
Ele pondera ainda que, no caso do Brasil, o fator da desigualdade social é mais um entrave para proposta. “Quanto mais o acesso ao sistema for mediado pelo pagamento, as pessoas de baixa renda não terão acesso. Em um país tão desigual, se você coloca o pagamento como condição, isso significa excluir uma grande parcela da população”, adicionou.
Ineficaz
O Ministério da Saúde resolveu ampliar o grupo de trabalho envolvendo a concepção do projeto do Plano de Saúde Acessível e convidou Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que recusou participação. “O Instituto considera inconstitucional e ilegal a proposta de plano de saúde “acessível”, além de ser tecnicamente equivocada e ineficaz para cumprir o objetivo de reduzir os gastos estatais com o Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirmou o instituto em nota na semana passada. O Idec pediu, ainda, a extinção do GT.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), e Sociedade Brasileira de Pediatria também se posicionaram contra a proposta. A Abrasco e Idec avaliam entrar com uma ação judicial contra o projeto.
Fonte: Brasil de Fato