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Ouvidoria analisou 756 casos e aponta excesso por parte dos policiais em 74% ; Maioria das vítimas eram negras

Por Lu Sodré, do Brasil de Fato

Homens, negros e jovens. Esse é o perfil majoritário dos civis mortos em decorrência de intervenção policial no estado de São Paulo em 2017. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), as 940 mortes registradas no ano passado, representam o maior número desde 2014. A quantidade de vítimas não superou apenas o ano de 1992, quando houve o Massacre do Carandiru, com um total de 1.470 mortes.

Divulgada no início do mês de agosto, a pesquisa “Uso da Força Letal por Policiais de São Paulo e Vitimização Policial em 2017”, organizada pela Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, analisou informações e dados técnicos de 639 ocorrências que vitimaram 756 desses 940 civis. O estudo mostra que houve excesso da parte dos policiais em 74% dos casos.

Com maioria absoluta de vítimas do sexo masculino, aproximadamente 50% dos mortos tinham entre 18 a 25 anos e 65% eram negros. A Ouvidoria também identificou que em 67% das ocorrências não foi registrada a presença de testemunhas, ou seja, a narrativa das abordagens e dos assassinatos foi apenas dos policiais envolvidos.

Na avaliação do advogado criminalista Taiguara Souza, professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante do grupo de trabalho de segurança pública do Projeto Brasil Popular, elaborado pela Frente Brasil Popular, as informações disponibilizadas pela Ouvidoria mostram que há um padrão de policiamento que naturaliza o “resultado morte”.

“Não é natural que uma intervenção policial resulte em morte. Quando as instituições policiais passam a naturalizar esse resultado, nós temos, por consequência, uma banalização do direito fundamental a vida, o direito mais importante que temos”, diz Souza.

“Há, sem dúvida, um padrão de policiamento bélico, orientado pela lógica do combate. Essa perspectiva acaba compreendendo os cidadãos como inimigos, e portanto, aceitando a suspensão de direitos e garantias fundamentais. Esse padrão aceita prisões ilegais, tortura para obtenção de uma certa confissão e aceita execuções sumárias”, critica o advogado.

Em média, as perfurações em vítimas que foram mortas por arma de fogo em intervenções policiais é de 3 disparos. Em 43% dos casos havia marcas de tiro nas costas e na cabeça, o que seria um indicativo de execução.

A Ouvidoria também identificou que 73% das ocorrências que resultaram em mortes de civis tiveram como “motivadores” os delitos de roubo, tentativa de roubo e furto, ou seja, a letalidade policial está intimamente ligada a defesa do patrimônio privado.

Genocídio negro

O relatório demonstra que quase metade das vítimas da PM não possuíam antecedentes criminais, 76% só chegaram até o ensino fundamental e 99% não fizeram curso superior. Dos 124 mortos de até 17 anos, 70% eram negros.

Para Dina Alves, coordenadora do Departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a alta letalidade policial é decorrente do racismo institucional.

“[A pesquisa] revela um regime de poder de raça, impregnado nas instituições de Justiça. Revela como a polícia atua nas comunidades, como são os encontros da Polícia com os jovens pretos, das periferia. Revela como esse empreendimento da segurança pública é gerenciado na vida das pessoas pobres e negras”, opina Alves. “O racismo é a resposta para o questionamento do porque morrem mais negros no Brasil do que brancos.”, ressalta.

A coordenadora critica enfaticamente o que chama de “modus operandi” da polícia no estado e relembra um episódio que reforça seu argumento: Em entrevista ao UOL, no ano passado, Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, comandante da Rota, declarou que há uma diferença na abordagem feita pela polícia nos Jardins e nas periferias.

“É uma lógica militar norteada pela política de guerra, em que os pobres e as pessoas da comunidade são vítimas históricas dessa prática. São vistas como inimigos do Estado”, complementa Alves.

“Fábrica de Monstros”

Débora Silva, do Movimento Mães de Maio, grupo formado por mulheres que tiveram seus filhos mortos por policiais militares na série de ataques que ocorreram em São Paulo, em maio de 2006, e denuncia que a PM promove uma “faxina ética” ao matar pobres e negros.

Para além da violência policial, a ativista questiona a estrutura do modelo de segurança pública e o investimento que o Estado faz na área. “Investir em armamento e não investir no ser humano que está por baixo da farda, para mim, é uma política de segurança fascista.”, afirma Débora.

“Esse jovens não entram na PM para ser um assassino fardado. Quem os faz ser assim é a instituição. Que segurança é essa que oferecem? Segurança para o patrimônio privado? A Polícia que temos no estado de São Paulo e no Brasil defende o patrimônio privado, o capital. Não defende o cidadão que paga seus impactos ”, acusa a representante do Movimento Mães de Maio. “Para nós, a instituição policial é uma fábrica de monstros”.

O documento da Ouvidoria também apresenta informações sobre a vitimização policial. Em 2017, houve 26 casos de suicídios na polícia do estado, sendo 16 PMs e 10 policiais civis.

“Esse número de suicídios nos revela que realmente há uma política de segurança pública genocida anti-negro. Os policiais que estão morrendo, seguem o mesmo perfil dos jovens pretos que estão morrendo, que estão na base da hierarquia da instituição da polícia”, analisa Dina Alves.

Outro modelo de segurança 

Segundo Taiguara Souza, uma intervenção policial eficiente é aquela que alcança seu resultado e preserva a vida, tanto dos agentes públicos quanto dos civis.

Ele endossa sua avaliação de que o modelo de segurança pública vigente não é compatível com o Estado Democrático de Direito, e que é urgente outro modelo de policiamento, que assegure direitos fundamentais.

“É possível um policiamento eficiente a partir dessa perspectiva, sobretudo, se forem adotados técnicas de inteligência policial priorizando um policiamento preventivo, investigativo, e não uma lógica reativa e belicista”, defende o especialista.

A coordenadora do IBCCRIM ressalta a urgência da desmilitarização das polícias e argumenta que a população deve ser consultada para a criação de um novo modelo de segurança.

“Vidas negras importam. Essa é uma frase importante para ser dita quando falamos de segurança pública. A segurança pública que temos, tem uma lógica não só de resquícios da ditadura militar, mas, de resquícios escravocratas.”, denuncia Alves. “É preciso um modelo de segurança pública que ouça as comunidades, as periferias, os movimentos dos familiares, as vítimas da própria violência do Estado. A resposta [para um novo modelo] está nas pessoas que são vítimas desse modelo que existe.”

(Foto: Agência Brasil)

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