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Não é de agora que falar sobre democracia se apresenta como uma tarefa difícil. Ainda são vagas em nossa história as experiências de regimes políticos que tenham se aprofundado no campo democrático. É certo que muito se avançou em direitos humanos na última década, nos três âmbitos federativos. A promulgação da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006, foi um dos momentos marcantes na trajetória dos direitos das mulheres. Mas com o golpe parlamentar consolidado, a quantas anda a democracia?

Foi o que se empenharam em responder Benilda Brito, da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Carlos Magno, presidente da Associação Brasileira de LGBT, Darci Frigo, da Plataforma Dhesca Brasil e da Terra de Direitos, Jandyra Alves, da Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT Nacional e Ana Cláudia Mielke, do Intervozes, no Seminário Direitos Humanos e Democracia, no dia 2 de setembro. O evento, que aconteceu na sede da Ação Educativa, foi promovido pela Plataforma Dhesca Brasil e faz parte da Campanha Mais Direitos Mais Democracia.

É importante ressaltar o que significa para o Brasil, um país da América Latina, um golpe parlamentar como o que se efetivou recentemente. No século passado, muitos países latino-americanos passaram por longos períodos ditatoriais. Guatemala, Paraguai, Argentina, Peru, Chile, Uruguai, República Dominicana, Bolívia, Nicarágua são os países que enfrentaram um ou mais períodos de ditadura e que só viram chegar a redemocratização na segunda metade do século. Ou seja, as democracias da América Latina são recém nascidas, ainda carecem de grandes experiências de equidade entre os indivíduos.

Diante de pequenas experiências com governos mais ligados à esquerda política, mesmo que limitadas ao modelo político de coalizão, Michel Temer apropriou-se ilegitimamente da presidência no Brasil com o apoio do Congresso Nacional mais conservador desde 1964. Assim como o empresário Mauricio Macri ganha a última eleição à presidência na Argentina. Ambos têm projetos de Estado alinhados à agenda neoliberal, a qual, segundo Jandyra, é mais importante do que a democracia. Ou seja, vivemos um período de retrocesso político, social e econômico para a maioria esmagadora da população, já que o que importa nessa lógica é a reprodução do capital de quem já detém o poder.

A democracia não entrou num processo de derrocada apenas agora, com o fortalecimento de forças conservadoras. O processo de redemocratização anda no Brasil, há mais de 30 anos, com pernas cambaleantes e enfrentando grandes obstáculos. Segundo o Mapa da Violência de 2015, que analisa os homicídios de mulheres no país, o número de mulheres brancas assassinadas diminuiu aproximadamente 10% entre 2003 e 2013, enquanto que em relação aos homicídios de mulheres negras, os números aumentaram cerca de 55% no mesmo período. Para Benilda, a democracia racial é um mito. Ainda precisa se discutir o direito à vida, a ter direitos, à humanidade. “Nós somos a maioria da população brasileira, mas ainda assim não somos a maioria nas universidades, entre os médicos…”, afirma. E continua, “para um menino negro não existe expectativa de vida, mas sim perspectiva de morte”.

O golpe vem na lógica do capitalismo internacional, o que significa a acentuação da concentração de riquezas, a perda de direitos já conquistados, a desestatização e o sucateamento dos serviços públicos. Jandyra lembrou da PEC 241, que visa impor um teto para gastos sociais. Isso, em números, significa que se hoje 20% do PIB são gastos sociais, daqui a vinte anos serão somente 13%. Como então pensar em democracia sem os mínimos direitos e amparos legais garantidos? Para Darci, o Estado se apresenta vigilante e forte para proteger o capital ao mesmo tempo em que se coloca como Estado Mínimo no âmbito social. “Um projeto desse nunca passaria num processo eleitoral”, destaca. Se é no campo democrático que se reconhecem os direitos e se nunca tivemos uma democracia consolidada, ainda menos com esse golpe parlamentar, os horizontes se tornam cada vez mais nebulosos. Para esboçar melhor esse quadro, tem-se o fato de que apenas quatro presidentes eleitos no Brasil conseguiram terminar o mandato.

Outro ponto importante levantado no seminário diz respeito à democratização da mídia. A maior parte do conteúdo midiático é controlado por poucas famílias no Brasil. Isso significa que o lado vencedor na disputa de narrativas inclina-se sempre aos grandes grupos de comunicação, os quais sempre tiveram privilégios políticos, sociais e econômicos. A pluralidade de vozes não existe na forma e muito menos no conteúdo. No mesmo dia do seminário, a Presidência da República publicou a Medida Provisória 744 que extinguiu o Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação, órgão composto por membros da sociedade civil que tinha a função de assegurar a diversidade nos veículos de comunicação, além de garantir a autonomia em relação ao governo independente do contexto político.

Por fim, a estrutura econômica e social pouco se difere de algumas décadas atrás. Um novo projeto do que se entende por democracia pode ser um dos caminhos alternativos à crise enraizada em muitas esferas da sociedade. Vale dizer que a esquerda brasileira tem uma dinâmica fragmentária em relação ao modus operandi das pautas. Mas, assim como lembra Darci, alguns momentos da história requerem a superação de tal fragmentação das pautas. A união não significa supressão de recortes, debates e pautas de cada movimento social. Para ele, “temos que lutar contra o sequestro da democracia!”.

Confira outros vídeos e peças da campanha no site da Campanha Mais Direitos Mais Democracia

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Fonte: Plataforma de Direitos Humanos 

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