‘Com a Emenda do Teto, a reforma trabalhista e o alto nível de desemprego, estamos muito longe de reverter o cenário apresentado pelo relatório’, diz Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Por Lorena Alves, do Observatório
Medidas como a reforma trabalhista e o congelamento de investimentos sociais por 20 anos deixam o Brasil cada vez mais longe de alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU até 2030. Essa é a avaliação da sociedade civil organizada exposta no Relatório Luz 2018 da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, lançado nesta quarta-feira (11), no auditório do Instituto de Relações Exteriores da Universidade de Brasília.
O documento analisa 121 das 169 metas dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU, que abordam temas como educação, combate à pobreza e à desigualdade, consumo saudável, igualdade de gênero, entre outros. Os dados exibidos pelo relatório são preocupantes e representam uma avaliação pelo ponto de vista da sociedade civil, sobre a possibilidade do Brasil alcançar os objetivos acordados em 2012 durante a Rio+20.
De acordo com o relatório, assinado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o congelamento dos gastos públicos nos próximos 20 anos previsto na Emenda Constitucional 95/2016 – conhecida como Lei do Teto, e a reforma trabalhista são “símbolos irrefutáveis do descompromisso do governo atual” no cumprimento das metas.
“Com a Emenda do Teto, a reforma trabalhista e o alto nível de desemprego, estamos muito longe de reverter o cenário apresentado pelo relatório. Para incorporar a Agenda 2030 no planejamento e implementação das políticas públicas, é necessário imediatamente revogar a Emenda 95″, afirma Nathalie Beghin, economista e coordenadora da Assessoria Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) – um dos responsáveis pela elaboração do Relatório Luz, em entrevista ao Observatório (leia a íntegra abaixo).
“Todos os indicadores sociais estão piores”
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil destina apenas 7,7% de seu orçamento à saúde, taxa inferior à média mundial. O relatório aponta que o país vive hoje em uma grave crise, por exemplo, em relação a prevenção e tratamento da AIDS. Apesar da queda da mortalidade – de 5,9 para 5,2 óbitos por 100 mil habitantes entre 1980 e 2017 –, entre 2006 e 2016 a incidência quase triplicou entre os homens de 15 a 19 anos e também cresceu entre as mulheres da mesma idade. As gestantes com HIV passaram de 2,1 por 1.000 habitantes para 2,6 por mil no mesmo período. Outro dado apresentado no documento que causa preocupação, entre as doenças tropicais negligenciadas, é referente a malária. Após sete anos em queda, os casos voltaram a crescer no país: de cerca de 143 mil em 2015 para 194 mil em 2017.
No âmbito educacional, 2,5 milhões de crianças e adolescentes, entre 4 e 17 anos, não estão nas escolas no Brasil. Segundo organizações defensoras do direito humano à educação, há poucos avanços no cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e, para reverter essa situação, seria necessário um acréscimo de pelo menos R$ 50 bilhões no orçamento anual para garantir a qualidade mínima na educação básica brasileira – inviabilizado pela Lei do Teto.
As desigualdades regionais e de raça no acesso à educação geram apreensão, porque aparecem em todas as faixas de ensino, mesmo nos lugares em que há melhorias recentes. No ensino médio, por exemplo, onde, nos últimos 14 anos, as matrículas de adolescentes entre 15 e 17 anos aumentaram 21,5% na média nacional, 71% dos adolescentes brancos dessa faixa etária estão matriculados contra 56,6% dos adolescentes negros.
Essas são algumas das pautas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil, formalizado em setembro de 2014. O GT busca incidir sobre o Estado brasileiro e as organizações multilaterais, como a própria ONU, promovendo o desenvolvimento sustentável, se pautando pelos princípios da igualdade, diversidade, solidariedade, respeito à pluralidade, autonomia, transparência e confidencialidade, como aponta o relatório.
“Todos indicadores sociais [apresentados no Relatório Luz] estão piores, aumentam e expressam o Estado combalido, que desde 2015 está sendo sucateado. Além de não ter recursos políticos, desapareceram a Secretaria de Políticas para Mulheres, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Igualdade Racial…”, analisa Nathalie. “Cabe a sociedade civil pressionar para revogar e aumentar os gastos para políticas públicas”, defende. Confira a íntegra da entrevista:
Observatório da Sociedade Civil – Qual sua avaliação sobre o Relatório Luz da Agenda de 2030 sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, que foi lançado nesta terça-feira (11)?
Nathalie Beghin – É um esforço muito louvável das organizações que participaram, de tentar monitorar esse processo a partir de quem somos. Espero que a gente continue mantendo esse ritmo de monitoramento social. Não há avaliação positiva em relação ao relatório ser seguido por um governo de 5% de aprovação, que só eleva violência, homofobia… Não consigo ver pontos positivos. Apesar da Agenda 2030 ser estritamente governamental, precisa ser cumprida.
Na atual conjuntura política do país, como incorporar a Agenda 2030 no planejamento e implementação das políticas públicas?
Com a Emenda do Teto, a reforma trabalhista e o alto nível de desemprego, estamos muito longe de reverter o cenário apresentado pelo relatório. Para incorporar a Agenda 2030 no planejamento e implementação das políticas públicas, é necessário imediatamente revogar a Emenda 95. E como disse o Francisco Menezes, pesquisador do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e da ActionAid Brasil, também presente no lançamento do relatório: “estamos construindo um Estado de desproteção social”. Cabe a Sociedade de Sociedade Civil pressionar para revogar e aumentar os gastos para políticas públicas. Todos indicadores sociais [apresentados no Relatório Luz] estão piores, aumentam e expressam o Estado combalido, que desde 2015 está sendo sucateado. Além de não ter recursos políticos, desapareceram a Secretaria de Políticas para Mulheres, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Igualdade Racial…
Como transformar essa realidade imposta pela Emenda Constitucional 95?
O relatório tem sido construído a muitas mãos de muitos lugares [cerca de quarenta membros de diferentes setores]. A sociedade precisa pressionar o Congresso e votar em candidatos que irão afirmar em suas campanhas que vão se comprometer a revogar e implementar a Agenda que o Brasil assinou. É um compromisso do Estado. É preciso reconstituir as políticas públicas e isso não está acontecendo hoje… O atual governo está de costas para isso. Parece que eles sentaram em uma mesa de reunião e falaram ‘como fazer para não cumprir a Agenda?’ O que resultou no congelamento dos gastos.
Qual principal urgência de implementar essa Agenda? Quais os caminhos que o Brasil trilhou nesses 3 anos que precisam ser mudados, de acordo com a avaliação do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para 2030?
Revogar a Emenda 95, porque quando você libera as políticas para brigar por mais recursos, todo o resto você vai disputar depois. Para abrir caminhos, 17 objetivos devem ser alcançados. A ideia é apresentar o relatório também em Nova York, ao Fórum Político de Alto Nível da ONU – responsável por acompanhar a aplicação da Agenda 2030 – que estará reunido entre 09 e 18 de julho, além de apresentar formalmente ao Governo e mostrar as Nações Unidas que estamos tentando abrir caminhos. Um dos desdobramentos do documento é estimular a adoção dos ODS nos municípios e levar essa Agenda para outros espaços. Também procuramos com a União Europeia melhorar o acompanhamento social.
(Foto: Paulo Pinto/Agência PT)