Nesta quarta-feira de cinzas, dia 10 de fevereiro, completaram-se 260 anos da morte de 1,5 mil índios guaranis na Batalha de Caiboaté, no que é hoje o território da cidade de São Gabriel, no Rio Grande do Sul. A morte dos guerreiros indígenas ocorreu três dias após o assassinato de Sepé Tiaraju, líder dos índios missioneiros, morto por organizar seu povo na luta pela terra, pela vida e pela fé. Tiaraju tombou às margens da Sanga da Bica, na mesma São Gabriel. Em memória da luta de Sepé e de seu povo, a 39ª romaria da Terra foi realizada nesta terça-feira de carnaval, dia 9, na cidade de São Gabriel, e reuniu aproximadamente 12 mil romeiros e romeiras, segundo os organizadores.
“A luta de Sepé trouxe ainda mais força para o povo guarani. Mesmo com a morte dele, não foi possível acabar com os guaranis. Mantivemos nossa cultura, nossa língua, o jeito de ser guarani. Continuamos lutando pelo ‘bem viver’, pelos direitos de nossas crianças e de nossos velhos. Somos esta terra onde tombou Sepé. Mas as ameaças, a discriminação e o preconceito que sofremos ainda estão muito presentes. Além disso, falta demarcação das terras indígenas e nossos direitos estão ameaçados no Congresso Nacional, pela Proposta de Emenda à Constituição nº 215”, afirma Maurício da Silva Gonçalves, coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul (CAPGRS). Pela PEC 215, as demarcações de terras indígenas, a titulação dos territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental se tornam uma atribuição dos deputados federais e senadores, e não mais do Poder Executivo, como ocorre hoje.
“A 39ª Romaria da Terra não apenas reconhece Sepé como indígena, mas também como herói. Ele defendeu o povo, lutou pelos mais pobres e pela terra. Este reconhecimento pelo povo da fé é importante. O povo da fé, presente aqui na romaria, não pode ter preconceito. Afinal, o sangue de Sepé continua a correr no sangue de todos nós”, enfatiza Maurício. “Nesta romaria, estamos valorizando as origens do Brasil, construídas por 233 etnias indígenas de cerca de 180 idiomas diferentes. Essa romaria alegra o coração e reparte a paz. Sepé é líder de todas as etnias de origem. Ele tombou aqui defendendo a terra de fronteira e todas as tribos indígenas. É por isso que nós, caigangues, estamos aqui para, junto com os guaranis, homenagearmos a ele e trabalharmos em conjunto”, complementa Natalino dos Santos, coordenador do Movimento Sepé Tiaraju, na cidade de São Gabriel.
“Esta romaria tem uma importância muito grande, porque é uma romaria que marca toda umahistória de luta pela terra, pela organização do povo, e marca também nossa memória, na figura de Sepé Tiaraju e dos 1.511 indígenas mortos aqui em São Gabriel 260 anos atrás. É uma romaria das mais proféticas dos últimos tempos, pois tem um conteúdo muito forte. Toda essa dimensão da caminhada e da celebração, para nós da Cáritas, representa um projeto de mística fortalecedora na consciência, pois nos lembra a história desses profetas que deram a vida por uma causa justa e fraterna”, avalia a irmã Lourdes Staudt Dill, vice-presidente da Cáritas Brasileira.
Para Jacira Teresinha Dias Ruiz, assessora de projetos e integrante da coordenação colegiada da Cáritas Regional RS, a 39ª Romaria da Terra permitiu aos participantes “pisar no chão sagrado onde o povo guarani viveu a experiência da ‘Terra Sem Males’, lutou pelo seu território e foi massacrado pelos acordos e interesses espúrios dos colonizadores portugueses e espanhóis. É também uma forma de denunciar os males causados pela concentração de poder e da terra, pela falta de cuidado com a biodiversidade e o planeta, além de uma oportunidade para reivindicar mais uma vez a necessidade de uma reforma agrária verdadeira, única forma de erradicar a pobreza estrutural do campo e da cidade”. “Particularmente para nós da Cáritas RS, esta Romaria da Terra renova o compromisso com as comunidades tradicionais, sobretudo indígenas e quilombolas, na luta pelo direito à terra, histórica e permanentemente ameaçado”, complementa ela.
A 39ª Romaria da Terra foi organizada pela Diocese de Bagé, pela Comissão Pastoral da Terra/RS, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Sul e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Regional Sul 3, e contou com o apoio da Cáritas Diocesana de Bagé, do Fundo Estadual de Solidariedade, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Ação Episcopal Adveniat, fundo católico da Alemanha que fomenta iniciativas voltadas aos pobres, oprimidos e minorias na América Latina. “As Romarias da Terra, no Rio Grande do Sul, surgem exatamente da inspiração e do modo de viver dos nossos irmãos índios, primeiros habitantes deste chão. Por inspiração divina, a Igreja, com seus profetas, olha o mundo, a realidade, e se vê forçada a iniciar ações mais contundentes a fim de conscientizar as pessoas que perderam a memória das origens”, afirma o frei Wilson Dalagnol, da CPT/RS.
Fonte: Cáritas, por Luciano Gallas. Fotos por Luciano Gallas.