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Por Nana Medeiros

Para o militante do movimento negro Douglas Belchior, a brutalidade policial não é um caso isolado, mas reflexo de uma sociedade e de um Estado baseados na violência e na punição

A violência policial que vitima as periferias brasileiras cotidianamente é um reflexo de um Estado e uma sociedade “regida por valores e forças econômicas hegemônicas e segregacionistas” e, sem essa percepção clara, será impossível modificar esse cenário mesmo com medidas como a desmilitarização da polícia. A avaliação é do professor de história e membro do Conselho Geral da Uneafro Douglas Belchior, que lembra ainda que as principais vítimas desse aumento da violência são população em situação fragilizada como negros, mulheres e homossexuais.

“Repressão, violência assassinatos em série e total despreparo para o convívio democrático são características fundantes das polícias”, denuncia Belchior, que assina um blog no site da revista Carta Capital. As polícias, por sua vez, estão a serviço de um Estado que trabalha em função dos interesses de conglomerados econômicos, grandes empresários, coronéis do agronegócio e oligarquias proprietárias dos meios de comunicação. “Esses setores mantém a hegemonia econômica, logo política, e se fortaleceram mesmo com governos petistas. Para eles a policia cumpre uma tarefa fundamental: manter a tranquilidade, o silêncio e a paz do cemitério”, diz o militante.

Marcha Nacional Contra o Genocídio da Juventude Negra - SP | Fonte: Uneafro
Marcha Nacional Contra o Genocídio da Juventude Negra – SP
 Fonte: Uneafro

Belchior afirma que o fato de o Estado ser o primeiro a propor soluções políticas violentas, contribui para que a sociedade repita a punição, o encarceramento e ideia de assassinatos como resposta aos conflitos sociais. Esta seria uma dimensão de “mentalidade coletiva”, presente tanto nas ruas como nas escolas, igrejas e meios de comunicação, em sua maioria conservadores.

Ou seja, trata-se de uma “prática de gestão penal para conflitos sociais acompanhado de uma campanha de fortalecimento de uma cultura também penal e militarizada”. Segundo Belchior, seria uma “autorização invisível” para a prática da violência civil, que contribui para o aumento dos homicídios contra mulheres, homossexuais, negros e negras, principalmente. Faz parte de um “discurso moralista-fascista da ‘segurança para pessoas de bem’ e de promoção dos ‘valores da família brasileira’”, afirma.

O questionamento desta lógica surge, para Belchior, quando as pessoas passam a perceber que “a ‘opinião pública’ não exige a caça, ao vivo e em tomadas cinematográficas, do policial que mata; que não há debates sobre aprovação de leis mais severas para coibir a ação dos policiais assassinos; que quando morre um pobre ou um preto qualquer, mesmo que ele ‘não tenha passagem’, que não há discursos emocionados de âncoras nos telejornais das grandes redes de televisão e que não há análises, em horário nobre, sobre a fragilidade de uma democracia que promove com seu aparato armado, uma carnificina muito maior que a registrada em nossas duas ditaduras civil-militares”.

Durante as manifestações a bandeira pela “desmilitarização” uniu diversos movimentos, organizações e pessoas – militantes ou não – em uma causa em comum. Para Belchior, para não estancar o debate, é preciso que movimentos sociais e populares aproveitem as eleições para pautar esses e outros temas, questionando a forma de organização e operação das polícias, mas considerando uma dimensão maior da cultura e dos valores que regem o país. “Uma polícia desmilitarizada não necessariamente deixa de ser uma polícia racista ou uma polícia que reproduza práticas de criminalização da pobreza ou dos movimentos populares”, afirma. “É sempre bom lembrar que o Brasil é um país violentamente racista, machista e homofóbico. A sociedade o é. A cultura o é. O Estado, que promove esses valores e é dirigido por forças econômicas hegemônicas que o são, o é. E a polícia é sua serviçal. Logo, se não mudar a política, a polícia não mudará, sendo ela militar ou civil”, completa.

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