É a primeira vez que é pedido ao STF que um relator seja destituído do cargo pelo fato de relatar projeto de interesse direto de seus financiadores de campanha. Dos cerca de R$ 2 milhões arrecadados pelo deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG) na campanha de 2010, em torno de 20% foram doados por grandes empresas de mineração e metalurgia, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na campanha à reeleição deste ano, segundo o TSE, figura, até agora, como único financiador de Quintão seu irmão, Rodrigo Lemos Barros Quintão, sócio de uma mineradora e administrador de outra.
O inciso VIII do Art. 5º do Código de Ética da Câmara afirma que fere o decoro parlamentar “relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”. Segundo os responsáveis pela ação, ao aceitar a relatoria, Quintão também feriu os “princípios constitucionais da República, da Democracia, da Igualdade Popular”, que determinam a igualdade de oportunidades no processo legislativo, a vedação a privilégio ou favorecimento a determinadas pessoas ou grupos e que toda função pública deve atender interesses exclusivamente públicos.
Em vídeo de dezembro, o deputado admite que é financiado por mineradoras e que defende o setor (veja aqui). Neste ano, quando o caso veio a público, no entanto, ele negou que advogue pelos interesses de mineradoras.
Em maio, o mesmo grupo de organizações encaminhou uma representação igualmente inédita à Mesa da Câmara solicitando a destituição do relator por quebra de decoro. O presidente da casa, Henrique Alves (PMDB-RN), arquivou o pedido alegando que o PL trata de “regras gerais, aplicáveis indistintamente a todas as empresas que atuam no setor”, motivo pelo qual não estaria relacionado aos interesses de nenhuma empresa em especial. O mandado de segurança afirma que a justificativa não procede, pois, “sendo a lei uma norma de caráter geral, abstrato e impessoal, é impossível se cogitar que possa ela se destinar a regular uma só empresa ou uma só pessoa física” (leia aqui).
O mandado está sendo encaminhado por organizações que defendem a moralização da política e também alterações no PL 37/2011 que garantam a segurança dos trabalhadores e os direitos socioambientais de populações afetadas por grandes projetos de mineração. Integram o grupo, além do ISA, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Socioeonômicos (Inesc) e o Movimento Nacional pela Soberania Popular frente à Mineração (MAM), entre outras organizações que fazem parte do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração (saiba mais), além do WWF-Brasil e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política.
Mobilização popular
O mandado é encaminhado em meio a uma grande mobilização em defesa da reforma política e, em especial, do fim do financiamento por empresas das campanhas eleitorais. Ontem (8/9), terminou o plebiscito popular que pede a instalação de uma Constituinte exclusiva para realizar a reforma política. A mobilização é realizada por mais de 400 organizações e movimentos sociais, como MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Consulta Popular, comissões pastorais, dezenas de sindicatos e federações de trabalhadores, entre outros (saiba mais).
Neste momento, também está parado no STF o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra os dispositivos legais que permitem o financiamento de campanha por empresas. Já há maioria na corte pela inconstitucionalidade, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo e não há ainda perspectiva do julgamento ser retomado.
“Terminado o plebiscito popular e no momento em que está em julgamento no STF a ADIs sobre o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas, nosso mandado de segurança busca, em última análise, garantir o direito básico de todo o povo brasileiro à lisura, idoneidade, imparcialidade e busca exclusiva pelo interesse público no âmbito dos processos legislativos no Congresso Nacional, livres de indevidas interferências de interesses meramente privados”, comenta Maurício Guetta, advogado do ISA e um dos responsáveis pelo mandado de segurança.