Defensoras e os defensores da democracia, da solidariedade e dos direitos humanos se colocam em estado de alerta; é preciso um esforço extra no processo de articulação de uma agenda capaz de produzir uma unidade mundial do campo democrático e popular
Por Daniela Silva Huberty, da Cardume(*)
“Acreditamos que as inúmeras formas de resistência dos povos, dos territórios e dos movimentos contra o neoliberalismo representam possibilidades de mudanças que estão sendo construídas na prática. Por isso, convidamos para que todas as organizações, redes, movimentos e pessoas comprometidas com a construção de uma sociedade solidária, radicalmente democrática, ambientalmente sustentável e socialmente justa que se somem ao processo de organização e realização do Fórum Social das Resistências 2020. Frente aos enormes desafios do atual momento da humanidade é impossível ficar parado. Comprometa-se com as mudanças”. Trecho da carta aberta de convocação do Fórum Social das Resistências 2020.
Reunidos no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, movimentos sociais do Rio Grande do Sul lançaram, no dia 25/11, o Fórum Social das Resistências 2020. Com o lema Democracia, Direitos dos Povos e do Planeta, a segunda edição do encontro será realizada entre os dias 21 e 25 de janeiro em Porto Alegre e em algumas cidades da Região Metropolitana. Nos dias 5 e 6 de dezembro, aconteceu o Seminário Geral de Planejamento e Organização do evento no auditório da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de São Leopoldo. O encontro reuniu movimentos sociais e coletivos para debater e planejar metodologia e atividades do fórum.
O Fórum Social das Resistências (FSR) nasce do Fórum Social Mundial (FSM) – realizado pela primeira vez na capital gaúcha em 2001 para fazer contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos. A proposta é uma iniciativa de diversas organizações e movimentos sociais brasileiros em diálogo com agentes sociais da América Latina e do mundo. “O fórum não pretende criar ou ser movimento, e sim um espaço de reflexão, troca de experiências, análise de realidades e busca de construção de estratégias comuns. Como espaço, ele cumpre um papel de ator social, porque pauta questões, apresenta desafios, propõe alternativas e dá visibilidade a sujeitos que, muitas vezes, ficam subvisíveis ou invisíveis”, explica o diretor da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e membro do Comitê Organizador do FSM, Mauri Cruz.
Apesar de ser um fórum construído e centrado na Região Sul do país, Mauri ressalta que o FSR possui pautas nacionais e internacionais e lembra que esse é um evento auto-gestionado e realizado sem nenhum tipo de recurso público. A primeira edição, realizada em janeiro de 2017, mobilizou cerca de cinco mil pessoas que fizeram uma grande marcha de abertura e, durante quatro dias, participaram de assembleia de convergências, culturas e cine de resistências, além de uma Assembleia das Assembleias no Auditório Araújo Viana. Para Mauri, o evento se mostrou bastante vigoroso do ponto de vista político, visto que o Brasil passava por um momento de pós-golpe e um processo de alteração na correlação de forças e de descrédito do próprio FSM. “Muitos movimentos sociais e sindicais que ajudaram a fundar o fórum em 2011 praticamente não existem mais e as novas militâncias sociais, no geral, não se enxergaram no Fórum Social Mundial. Então o Fórum Social das Resistências se reconectou com essas agendas”, afirmou.
Entre as militâncias que estão ganhando centralidade na luta política, Mauri destaca os movimentos feministas e de mulheres negras, resistência da juventude negra de periferia, povos indígenas, questões ambientais, religiosidades e movimento estudantil. “A tarefa do FSR é metodológica. Tentar constituir uma conexão entre esses processos: os movimentos mais históricos, como da luta por terra e moradia e o movimento sindical, e os novos movimentos, que sabemos que não são novos, mas que hoje estão no centro da resistência”, explica.
Nesses quase três anos de realização do primeiro fórum, a conjuntura política no país e no restante do mundo mudou, com o crescimento das agendas neofascistas, neoliberais e de retirada de direitos sociais e de restrição de direitos políticos das classes populares, o que desafia os movimentos de resistência, tanto locais, quanto nacionais e internacionais. Orlando Vitor, presidente do Instituto Parrhesia Erga Omnes – organização que participa da organização do FSR desde 2017 –, acredita que as culturas de resistência, como o funk e o rap, são as armas para combater o fascismo. Por isso, crê que o FSR 2020 necessita da presença de muitas pessoas jovens negras que representam a periferia. “Vivemos em um país que persegue pretos e pobres, nunca tivemos um número tão alto de desemprego, a saúde é precária e a educação sucateada, a polícia tem aval para atirar primeiro e perguntar depois e poetas do morro estão sendo presos por vários meses, como aconteceu com Rennan da Penha que foi preso injustamente”, ressaltou. Deivid Soares, músico, ativista social e ex-morador em situação de rua, afirma que se combate o fascismo “ocupando os espaços e mobilizando as massas de forma cultural. Por isso, nos temem e nos criminalizam”.
Frente a essas ofensivas, as defensoras e os defensores da democracia, da solidariedade e dos direitos humanos se colocam em estado de alerta e é preciso um esforço extra no processo de articulação de uma agenda capaz de produzir uma unidade mundial do campo democrático e popular entorno de propostas capazes de enfrentar as crises ambiental, econômica, social e dos valores democráticos.
Programação e discussões
Nessa segunda edição, o FSR busca seguir as atividades que deram certo e soma-se a outras iniciativas que estão sendo articuladas no âmbito do FSM, como o Fórum Social Panamazônico, que será realizado de 22 a 25 de março em Mocoa (Colômbia), o Fórum Social das Economias Transformadoras, que acontece entre os dias 25 e 28 de junho em Barcelona (Espanha), e o próprio processo de articulação do próximo FSM, que será realizado no final de 2020 ou início de 2021 na Cidade do México (México). O FSR 2020 iniciará no dia 21, confira a programação:
21/01 (Terça-Feira) – Marcha de Abertura
22/01 (Quarta-Feira) – Assembleias de Convergências (Descentralizadas)
23/01 (Quinta-Feira) – Mesas de Convergências
24/01 (Sexta-Feira) – Assembleia dos Povos
25 e 26/01 (Sábado e Domingo) – Occupy PortoAlegre
Estão confirmadas as presenças de lideranças do Movimento Fé e Política, Fórum Mundial da Teologia da Libertação e das religiões de Matriz Africana para debater os temas ligados à espiritualidade, religiosidade e transformações inspiradas nas ideias do Papa Francisco. Já os temas relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos, os direitos das mulheres e a luta feminista estão sendo articulados pela Marcha Mundial das Mulheres, União Brasileira de Mulheres e Articulação das Mulheres Brasileiras; e as questões que envolvem a comunidade LBGT e a democratização da comunicação, as migrações, os direitos humanos e a cultura, pelos movimentos sociais participantes do processo.
Questões relacionadas ao encarceramento e extermínio da juventude negra de periferia serão temas chaves do evento. As centrais sindicais irão realizar, em conjunto com o Conselho Nacional de Saúde, um debate sobre trabalho, saúde, previdência e seguridade social, enquanto os movimentos ligados à agroecologia e à segurança alimentar serão responsáveis pelos debates sobre a soberania alimentar e o combate aos agrotóxicos. Grupos ligados à educação irão realizar atividades com foco na educação popular, democrática e libertadora e os movimentos ligados às temáticas da moradia, saneamento e mobilidade, o direito à cidade e a cidade sem direitos.
As questões da democracia, dos direitos dos povos e do meio ambiente serão temas que irão se articular com as demais temáticas, por isso, serão os temas das mesas de debates no dia 23 de janeiro. Há uma grande expectativa da Comissão Organizadora para que, nessas mesas, estejam nomes nacionais e internacionais ligados aos principais movimentos no Chile, Bolívia, Iraque e Equador.
Inscrições
As inscrições para o FSR 2020 podem ser feitas pelo site[1] até o dia 20 de janeiro ou presencialmente a partir do dia 21/01 no credenciamento (local ainda será divulgado). A taxa de inscrição é de R$ 10,00 e o pagamento pode ser realizado online (via MOIP) ou no local do credenciamento.
Fórum Social Mundial 2018
O FSM 2018, realizado entre 13 e 17 de março, em Salvador, impactou a cidade pela agenda política, social e cultural levada pelas organizações e pela grande participação e movimentação. O evento, que teve como slogan Resistir é Criar, Resistir é Transformar, reivindicou e propôs outros caminhos para uma sociedade mais justa, indignou-se pela execução de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, e defendeu firmemente a democracia no país. A edição de 2018, diferente daquela de 2001, quando surgiu o primeiro evento do gênero, em Porto Alegre, se deu em um momento em que as forças progressistas lutavam para resistir ao ódio e ao fundamentalismo transformador em armas do poder econômico.
Durante cinco dias, 80 mil pessoas vindas dos cinco continentes participaram do evento, aproximadamente seis mil vindas de cerca de 120 outros países. Os continentes mais representados foram a América Latina, com 3.800 pessoas (sem ser o Brasil), e a África, com mil participantes. Mais de seis mil organizações e movimentos da sociedade civil participaram do encontro e 2.100 atividades foram inscritas, sendo que duas mil foram autogestionadas. Entre elas, destaca-se a Marcha de Abertura, que reuniu 60 mil pessoas.
Todos esses dados constam no relatório de construção e balanços da edição que, além de trazer o histórico do FSM como um todo e da construção do evento de 2018, demonstra os desafios enfrentados, a prestação de contas e o quanto o FSM contribuiu para as narrativas da resistência e dos povos que lutam contra os bloqueios e criam alternativas à ordem espoliadora do planeta. O documento retrata as mobilizações, a diversidade de atores e a pluralidade de ideias presentes no evento, bem como o compromisso com uma metodologia mobilizadora, participativa, democrática e includente.
Leia aqui:
[1] http://forumsocialportoalegre.org.br/
(Foto: Mauri Cruz)
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(*)CARDUME – Comunicação em Defesa de Direitos é uma rede que reúne organizações e movimentos da sociedade civil para ações articuladas de comunicação que potencializem a promoção e defesa de direitos e bens comuns.