Às vésperas das Eleições 2018, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política realizou atividade para articular iniciativas que têm enfrentado os desmontes de direitos no Brasil pós-golpe
Gilka Resende, da FASE
As campanhas para as Eleições 2018 começaram oficialmente na quinta-feira (16). Com a autorização da Justiça Eleitoral, candidaturas à Presidência da República e aos governos dos estados poderão apresentar suas propostas nas ruas, em eventos e nas redes sociais. Também entram na disputa pessoas que querem atuar no Senado ou se eleger como deputadas e deputados federais e estaduais. Às vésperas da ida às urnas, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política tenta articular iniciativas que têm resistido aos retrocessos ocorridos no Brasil pós-golpe. Recentemente, cerca de 80 pessoas, entre integrantes de redes, organizações, fóruns e movimentos sociais de várias partes do país, estiveram no Rio de Janeiro para participar de uma roda de conversa a fim de “criar unidade na diversidade”.
“Essa quantidade de iniciativas é um reflexo positivo da nossa luta, do nosso engajamento de resistências”, disse Natália Mori, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), que mediou o debate ao lado de Evanildo Barbosa, diretor da FASE e diretor-executivo da Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns. “Precisamos diminuir as nossas distâncias para fortalecer as lutas políticas”, ele completou. A ideia foi traçar estratégias coletivas para seguir lutando tanto no plano institucional como a partir da política feita no cotidiano, com mobilizações, formações políticas e a organização das populações frente às violações de direitos.
Neuriberg Dias, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), apresentou um diagnóstico do Congresso Nacional durante a atividade. Ele destacou que nos últimos anos ocorreu um aprofundamento da “crise de representatividade”, com coligações que diminuíram ainda mais a identidade ideológica das candidaturas. “A questão da falta de representatividade na Câmara e no Senado não é recente, mas de fato a qualidade dessa representação piorou muito desde as Eleições 2014. Temos parlamentares fracos nos chamados debates nacionais. Eles estão cada vez mais desvinculados das questões políticas defendidas por seus próprios partidos, ficando mais vinculados ao que chamo de bancadas do atraso”, disse ele, citando as bancadas ruralista, a do fundamentalismo religioso e a empresarial.
O pesquisador também explicou que as recentes mudanças nas regras eleitorais não causam nem fissuras nas estruturas de poder. “Criaram um cenário de reforma política para garantir a reeleição. Mudaram as regras de distribuição do tempo de rádio e TV e o fundo partidário, mas isso privilegiando quem já tem mandato parlamentar, estrutura e cabos eleitorais fidelizados. Infelizmente, a tendência é de continuidade. Na Câmara, por exemplo, 94% indicaram que vão disputar reeleição”, pontuou Neuriberg. Para renovar as bancadas, ele defendeu que as organizações, movimentos sociais e partidos progressistas fortaleçam as candidaturas para o Legislativo. “Isso é fundamental. Se a gente não conseguir uma bancada com todos os perfis do nosso espectro político, com uns 200 eleitos, o cenário será de terra arrasada”, sentenciou.
Revogar medidas do golpe
O momento eleitoral pode ser capaz de promover amplos debates. Ainda que diante de um cenário de desmontes, os presentes na atividade da Plataforma apontaram que se trata de uma oportunidade de dar visibilidade às reivindicações em prol da soberania popular. Para isso, a cobrança para que candidatas e candidatos assumam o compromisso de revogar as medidas promovidas após o golpe está entre as principais estratégias. Em especial, a revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, que foi promulgada em 2016, ano do impedimento de Dilma Rousseff, e limita os investimentos públicos em áreas como saúde e educação por 20 anos. “Temos que entender que estamos realmente vivendo um golpe no Brasil. Tem gente que parece não perceber. Isso não é de agora. Todas os retrocessos que eles conseguiram passar já estavam em pauta no Congresso Nacional”, afirmou Graça Costa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Para ela, o Brasil passa por uma mudança do papel do Estado, sendo que “a EC 95 é o maior filão desse processo”. “Essa emenda mostra a destruição do bem-estar social, muito entre aspas, que a gente estava começando a construir”, ressaltou.
Mauri Cruz, diretor-executivo da Abong, também falou sobre o significado do golpe na história. “Vínhamos num processo acumulativo. Houve a luta contra ditadura. Depois, muito lentamente, continuamos agindo, por vezes apenas no sentido de positivar os direitos, lutando pelo aprofundamento da democracia. Dentro desse ponto de vista, o golpe não só barra um governo de centro-esquerda, ele barra toda uma trajetória de lutas. Não é uma ruptura pontual, mas uma ruptura radical”, enfatizou. Para ele, que também integra a Escola de Cidadania Camp, é fundamental viver um processo de resistência e construir novas agendas por mudanças. “Não estávamos fora do planeta quando passamos por essa experiência do golpe. Nós, organizações e movimentos sociais, e também os partidos, temos que pensar uma agenda nova que vá para frente, que não seja aquela agenda desenvolvimentista”, problematizou Mauri.
Nessa mesma linha, Carmen Silva, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), defendeu que é preciso construir um novo processo de democratização. “Não para chegar onde estávamos, mas para avançar na democracia direta. Isso inclui rever modos de pensar, de organizar as lutas e fazer mobilização social. A gente precisa, no interior da esquerda, enfrentar o debate de que somos múltiplos sujeitos, que temos múltiplas pautas e que precisamos construir uma proposta de modo de vida que vá além do que a gente já viu, que vá além de todo o desenvolvimentismo aliado à injustiça socioambiental”, diferenciou.
Entre o agora e o horizonte
O objetivo da atividade da Plataforma no Rio de Janeiro, realizada nos dias 8 e 9 de agosto, foi abrir horizontes e descobrir caminhos, isso sem ignorar as diferentes visões das inciativas presentes. Nem todas elas, por exemplo, apresentaram uma crítica enfática à ideia de desenvolvimento. Por outro lado, todas e todos ali fizeram o esforço de localizar lutas comuns. “Entendemos que lutas articuladas nacionais são necessárias. Mas elas não significam uma pauta única, significam a capacidade de reconhecer e fazer reverberar as nossas lutas e outras lutas que estão ocorrendo nos territórios”, expôs Carmen. Ela defendeu ainda que as organizações, redes e movimentos sociais concentrem suas energias em lutas locais para que possam “ter pequenas conquistas frente ao Estado”, chamando atenção para o exemplo dado pelas mulheres. “É fundamental gestar redes de solidariedade. As mulheres, que são sobrecarregadas de trabalho e estão desvalorizadas nos espaços de participação política, já as têm como prática”, frisou.
A democratização dos meios de comunicação, a revogação da Reforma Trabalhista e a necessidade de impedir a Reforma da Previdência também foram apontadas como pautas urgentes. Diversos depoimentos reforçaram a necessidade de fortalecer candidaturas feministas, antirracistas e anticapitalistas. A participação da Rede Umunna, inclusive, acordou esse ponto. Juliana Marques, que integra a iniciativa, apresentou a campanha “Mulheres Negras Decidem”, lançada neste ano. “A campanha não é uma plataforma de candidaturas, estamos muito mais preocupadas em relação às disputas das narrativas. Produzimos conteúdos e reunimos dados demonstrando como é desigual a corrida eleitoral para as mulheres negras, como estamos sub-representadas no Legislativo, no Executivo e nas demais instâncias”, explicou. Juliana também disse que se trata de uma forma de aproximar mais as mulheres negras, dentro e fora dos partidos, e reforçar a identidade racial como um ativo político. “Precisamos construir as candidaturas das mulheres negras que estão comprometidas com a agenda democrática”, reforçou.
Outra iniciativa foi representada por Denise Carreira, da Plataforma Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil. Ela compartilhou os conhecimentos da campanha “Direitos Valem Mais, Não aos Cortes Sociais”, lançada no Fórum Social Mundial de 2017, em Salvador (BA). “A campanha nasceu a partir de uma missão especial da Plataforma Dhesca. Queríamos analisar como essa crise econômica vivida no Brasil está chegando nas comunidades, nas famílias, nas relações, nos corpos”, contou. Houve missões em Pernambuco, Rio de Janeiro, Goiás e São Paulo, abordando diversas temáticas. A partir disso, além da Campanha, se produziu um relatório que foi lançado no Senado.
“O grande desafio é questionar o fundamentalismo econômico, que tanto nos silencia e oprime, que diz que não há alternativa e que a população tem que viver o sacrifício. Cerca de 1 milhão e meio de famílias estão voltando à extrema pobreza. O relatório, além de denúncias, traz recomendações ao Estado Brasileiro. E a campanha chega para democratizar o debate sobre economia, contribuir para estimular a indignação popular e alimentar a esperança de que é possível conquistar mudanças”, explicou Denise, que faz parte da organização Ação Educativa.
Também participaram da atividade o Projeto Brasil Popular e a Plataforma Vamos, que nascem de duas frentes que, mesmo com diferenças políticas, mobilizaram a resistência contra o golpe: respectivamente, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. Algumas inciativas explicitaram quais candidaturas estão apoiando, mas algo que a roda de conversa evidenciou foi que o debate eleitoral não acontece somente por dentro das campanhas eleitorais. “Organizações e movimentos sociais autônomos, como é o nosso caso, também promovem esse tipo de ação”, comentou Carmen, da AMB.
Por fim, José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), relembrou o histórico da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, que teve início há cerca de 15 anos. Ele explicou que a coalizão nasceu de um desconforto com o que estava sendo apresentado como política de participação institucionalizada à época, com contradições nas conferências e conselhos. “Depois de todo esse tempo, chegamos aqui, em um momento de golpe, e vimos que existe até hoje uma discussão central: a questão do exercício do poder”, disse. E concluiu: “Quem exerce o poder no Brasil? É quem tem poder econômico. Precisamos mudar isso e criar outras formas de exercício do poder. Temos que colocar no centro da questão os sujeitos políticos que vão exercer esse poder”.