O que nos reserva 2015? Para esquentar o debate sobre caminhos, perspectivas e desafios para o ano que se inicia, o rede GIFE conversou com investidores sociais de diferentes perfis e que atuam em áreas diversas para apontar temas que devem pautar a agenda socioambiental sob sua própria perspectiva de atuação. A sondagem, de forma alguma, pretende elencar prioridades ou definir temas urgentes. A proposta é inspirar reflexões.
Muitas organizações ainda estão em processo de planejamento ou aprovação de programas e projetos. Contudo, os quatro convidados desta matéria concordaram em contribuir com provocações que devem pontuar a atuação de muitos investidores sociais. Entre os principais temas que apareceram, destaque para a cultura de doação e a diversificação de modalidades de financiamento de OSCs; a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs); a implementação do Plano Nacional da Educação; e uma possível retração da economia brasileira.
Desafios e oportunidades em cenários de restrição orçamentária
O ano mal começou, mas muitos especialistas já sinalizaram uma possível retração da economia brasileira em 2015. O cenário exige dos profissionais ligados ao campo social muita criatividade e articulação para manter recursos e garantir a operação de programas e projetos.
Cloves Carvalho, diretor do Instituto Votorantim, avalia que o momento é delicado, mas também pode ser de oportunidades, no sentido de exigir das organizações maior disponibilidade para a formação de parcerias, para o chamado “fazer juntos”.
“Em 2015, temos o desafio de manter a execução das ações de investimento social planejadas em um ambiente de restrições orçamentárias decorrentes do difícil cenário econômico nacional. Como mantemos muitas ações em parceria com o Governo Federal, as recentes mudanças nos impõem o desafio de retomar os planos de ação acordados com as diferentes esferas federais.”
Nesse sentido, o Instituto Votorantim deve reforçar uma estratégia que marcou seus 12 anos de atuação: as parcerias em diferentes esferas do campo político. “Outra oportunidade será juntar forças nas localidades que atuamos, com outros parceiros locais, para otimizar recursos e alavancar resultados. Num ambiente de recursos limitados, esta junção de forças é fundamental para manter as ações planejadas.”
Para tal, a organização deve usar a força de seu principal mantenedor, o Grupo Votorantim, nas localidades onde os programas e projetos acontecem. O ano também deve favorecer o fortalecimento de vínculos com o poder público local nas regiões de atuação. “Esperamos também amadurecer nossos programas de Apoio à Gestão Pública e de Fomento à Cadeias Produtivas, implementar ações mais intensas de gestão de projetos sociais que permitam uma maior aproximação com as realidades locais e uma melhor avaliação do impacto causado”, explica o diretor do Instituto Votorantim.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Na virada de 2014 para 2015, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, apresentou uma síntese do relatório “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta”, sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pós-2015.
Os 17 ODS incluem uma ampla esfera de problemas socioeconômicos, como pobreza, fome, igualdade de gênero, industrialização, desenvolvimento sustentável, pleno emprego, educação de qualidade, mudança climática e energia sustentável para todos. O secretário-geral afirmou, durante a apresentação, que a agenda pós-2015 deve ser construída tendo como base a cooperação global e a solidariedade e pediu, ainda, que as metas levem em consideração as diferentes realidades das nações e os níveis de desenvolvimento de cada uma e respeitar políticas nacionais.
Assim como foram os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos no ano 2000 e que vencem no final de 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável devem pautar a atuação de institutos, fundações e empresas, poder público e organizações não-governamentais – nessa nova configuração, os objetivos estão divididos em 17 categorias.
“Vemos como grande oportunidade a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs), uma vez que já utilizamos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) e poderemos revisar nossos indicadores de avaliação de nossas ações de desenvolvimento local”, comenta Cloves Carvalho, diretor do Instituto Votorantim.
Beatriz Azeredo, diretora de Responsabilidade Social da Rede Globo, também aponta os ODSs como uma bússola que deve guiar muitas ações a partir de 2015. “Este ano traz importantes oportunidades de articulação em torno dos grandes temas que compõem a agenda de desenvolvimento do país. Estão sendo definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que nortearão a atuação de todos por uma sociedade mais justa e sustentável. A Globo continuará cumprindo seu papel de levar informação, promover reflexão e debates e contribuir para a mobilização da sociedade brasileira em torno das grandes causas sociais.”
Educação de qualidade para todos
Além dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que fazem parte de uma agenda global, a diretora de Responsabilidade Social da Rede Globo cita a implementação do Plano Nacional da Educação (PNE) como importante marco para o país. O documento, publicado no Diário Oficial em 2014, estabelece as metas e estratégias das políticas de educação para o Brasil para os próximos dez anos.
A área da educação é, por tradição, o setor que mais recebe ações de investidores sociais privados no Brasil (de acordo com o Censo GIFE 2011-1012, 86% dos entrevistados investem na área). Contudo, o tema está correlacionado com outras diferentes esferas do campo social, como saúde, meio ambiente, esporte e direitos humanos, por exemplo. Portanto, o PNE é uma política pública que, de certa forma, impacta a maioria dos investidores sociais no Brasil.
Dentre as 20 metas estabelecidas pelo plano, muitas contarão com monitoramento e apoio de organizações sociais para seu cumprimento. Entre elas, algumas que merecem atenção: 100% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas na pré-escola até 2016; garantia de atendimento escolar no Ensino Médio para 100% dos adolescentes entre 15 a 17 anos até 2016; e triplicar o número de matrículas educação profissional técnica em até dez anos. O acompanhamento das metas pode ser feito pelo Observatório do PNE. Iniciativa do Todos pela Educação, o observatório é uma plataforma online de monitoramento de cada umas das metas do Plano Nacional de Educação.
Célia Aguiar, diretora-executiva do Instituto Arcor Brasil, organização que tem a educação como centro de suas ações, comenta o tema. “O maior desafio da agenda socioambiental brasileira continua sendo o de propiciar uma educação democrática, de qualidade, que contribua para o desenvolvimento humano e igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, com impacto no desenvolvimento de forma sustentável do país.”
Nesse sentido, o PNE deve ser um grande eixo mobilizador do setor. “A oportunidade é que há uma consciência cada vez maior que este é o grande caminho coletivo, o roteiro a ser seguido. Neste cenário o Instituto Arcor Brasil desenvolverá em 2015 várias ações na área da educação.”
O debate sobre a cultura da doação no Brasil
Uma das boas novidades de 2014 foi o surgimento e a consolidação de iniciativas em prol da cultura da doação no Brasil. Um bom exemplo é o movimento Arrendondar, uma iniciativa que promove a microdoação de maneira inovadora que surgiu em 2013 e começou sua escalada em 2014. A ideia é simples: ao comprar em um dos estabelecimentos parceiros do movimento, o consumidor pode optar por arredondar a conta e destinar a diferença automaticamente para organizações sociais.
Nina Valentini, diretora executiva do Arredondar, comenta que demandas urgentes da sociedade moderna vão exigir soluções inovadoras. “A agenda socioambiental em 2015 terá algumas grandes temáticas que envolvem mobilização social e engajamento de cidadãos em escalas nunca antes realizadas.
A priori, vamos viver uma grande crise hídrica, o que nos levará a repensar o investimento social na fronteira ambiental, e, principalmente, nos desafiará a pensar o investimento público. Neste contexto, o grande desafio será mobilizar e organizar a sociedade em torno de causas e ações coletivas que possam gerar resultados – sejam esses de melhorias locais, sejam ações públicas que possam vir a ter um impacto em médio e longo prazo.”
Para enfrentar os grandes desafios e encontrar soluções eficazes, Nina aposta na ação coletiva. “Em linhas gerais, não há como tratar um assunto tão coletivo de forma isolada, e irão ter mais força as iniciativas que consigam dialogar e trazer soluções para a mobilização que resulta em ação prática.”
Mas, para tal transformação será necessário considerar, cada vez mais, a importância das organizações sociais (especialmente das pequenas) e avaliar novas formas de financiar quem cria ideias inovadores capazes de transformar o mundo. “O movimento de crowdfunding tem muito a contribuir neste contexto, fortalecendo organizações e articulando atores do setor privado e pessoas físicas a se mobilizarem para apoiar quem terá ainda menos acesso a tais recursos e apoiando iniciativas capazes de ajudar a reverter o quadro e informar melhor o cidadão.”
Nesse sentido, Nina sinaliza para a mudança na cultura da doação – um tema que merece ser discutido mais amplamente para conquistar novos doadores e apoiar a sustentabilidade de organizações que atuam pelo bem-estar social. “Mudar a cultura de doação de uma forma ampla e democrática é central para engajar, mobilizar, e articular. É necessário e urgente – e o percurso da nossa organização neste ano está atrelado a expandir ainda mais sua atuação, garantindo que possamos ser agentes ativos nesta transformação necessária do país.”
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Confira também a seleção de eventos internacionais que devem pautar o setor neste ano.
Fonte: GIFE