As Organizações da Sociedade Civil brasileiras conquistaram avanços importantes nos últimos anos na formação de um ambiente favorável para sua atuação autônoma, como a nova legislação sobre parcerias com o Estado, a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet. No entanto, enfrentam hoje um cenário complexo, em que um Congresso conservador ameaça derrubar direitos sociais, abrindo espaço para que o mercado avance sobre espaços públicos e defina os rumos da sociedade.
Essas são algumas das conclusões da roda de diálogo: “Ambiente de atuação das Organizações da Sociedade Civil no Brasil: diagnóstico e perspectivas”, realizada pela Abong nesta quarta-feira (6), em Porto Alegre. O debate, que reuniu representantes de diversos setores da sociedade civil organizada, apresentou os principais resultados da etapa brasileira da pesquisa Avaliação do Ambiente Habilitador Nacional (EENA, na sigla em inglês), realizada pela Abong em parceria com as organizações internacionais Civicus e ICNL (International Center for Non Profit Law).
O projeto busca desenvolver uma análise comparativa entre os ambientes de atuação e organização da sociedade civil em 16 países. Os resultados brasileiros foram apresentados por Isabel Mattos Porto Pato, responsável pela pesquisa que contou com apoio do assistente de pesquisa Rafael Mignoni. Depois da apresentação, houve debate envolvendo representantes de diversos setores da sociedade civil, na tentativa de desenvolver uma estratégia nacional de incidência para que as OSCs defendam e garantam um ambiente favorável de atuação.
“O objetivo desse momento foi ouvir o que os pesquisadores detectaram, validar se faz sentido o que foi apontado sobre o ambiente de ação cidadã e pensar em uma estratégia nacional de incidência”, resumiu Vera Masagão, uma das representantes da Abong no debate.
A EENA é uma pesquisa que aborda 10 dimensões sendo 6 obrigatórias a todos os países (Formação; Operação; Acesso a recursos; Expressão; Direito a Livre Associação; e Relação Sociedade Civil e Governo) e 4 opcionais (Liberdade de Internet; Coalizão e Cooperação entre Organizações da Sociedade Civil; Tributação; e Acesso a Informação). A pesquisa realizada pela Abong optou por 9 dimensões deixando de fora apenas a Tributação.
O estudo identificou os principais desafios enfrentados pelas OSCs brasileiras. O principal deles é o contexto desfavorável da política nacional, com o mercado ocupando espaços do poder público, interferindo e prevalecendo na disputa com a sociedade. A isso se soma uma guinada conservadora na população e no Congresso, aumentando o risco de retrocesso de direitos. Além disso, há uma visão negativa sobre as OSCs por parte do Congresso e do governo, que não reconhece movimentos não institucionalizados.
Para enfrentar essa situação, o debate concluiu com a importância de ações de comunicação, para aumentar a legitimidade das OSCs perante a sociedade como um todo, e de incidência política, com maior compreensão do funcionamento dos órgãos governamentais para buscar maneiras de influenciar as decisões.
Do ponto de vista da sustentabilidade das organizações, o estudo constatou a diminuição gradual do financiamento internacional, que tem entre seus motivos a mudança de percepção da comunidade mundial em relação ao Brasil, que passa a ser visto como um país de renda média. Neste cenário, as OSCs se vêem obrigadas a buscar outras fontes de financiamento públicas e privadas. Um problema decorrente é o fim da modalidade institucional de financiamento, que permite maior liberdade às organizações no uso do recurso, com maior direcionamento de recursos para a projetos específicos.
A avaliação da pesquisa é que o financiamento por meio da filantropia privada tem sérios limites, tanto do ponto de vista temático (por conta do foco em projetos) quanto do volume de recursos disponíveis. Além disso, cada vez mais as fundações preferem investir em projetos próprios a financiar outras OSCs.
Na dimensão do acesso a informação, a aprovação da Lei de Acesso à Informação em 2011 foi um passo importante, ao criar ferramentas de monitoramento das políticas e ações dos órgãos governamentais. Há avanços também como a aprovação do Marco Civil da Internet, que instituiu respeito à privacidade, neutralidade da rede e assegura internet como território livre de circulação de informações, impedindo que usuários sejam submetidos às regras de mercado. No entanto, as organizações lamentam a falta de inclusão digital, não apenas do ponto de vista do acesso à banda larga, mas do uso abrangente do espaço virtual.
Um avanço fundamental foi registrado na dimensão de relação com o governo: a aprovação da lei 13.019/2014, que cria novas regras para as parcerias entres OSCs e entes públicos. A lei é considerada uma conquista, mas existem ainda diversos pontos a avançar na construção de um marco regulatório que favoreça a organização autônoma da sociedade civil. “Uma questão que está colocada para nós é como devemos garantir que formas organizativas sem personalidade jurídica, tão presentes na sociedade e instituições da cidadania (fóruns, coletivos, movimentos) sejam acolhidos dentro do campo normativo. O MAB, o MST não existem formalmente”, destacou Silvio Rocha Sant’Ana Fundação Grupo Esquel Brasil.
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