“As transformações, no que diz respeito à desigualdade social, ainda serão lentas; até 2025, 2030”, afirma o economista.
A redução das desigualdades no Brasil na última década centrou-se especialmente em dois aspectos: reduziu-se a desigualdade econômica e a educacional, “apesar de estarmos falando de uma redução da desigualdade em termos de acesso quantitativo”, avalia Claudio Dedecca em entrevista à IHU On-Line. Em outras áreas, como habitação, saneamento e saúde, a “redução da desigualdade foi muito tênue” e “limitada”, o que nos “impede” de afirmar que “houve mudança e transformação nas condições sociais do acesso a esses bens”, diz o economista. Para ele, apesar do “esforço” do Estado, as políticas adotadas foram “muito aquém do que a sociedade requer para resolver os problemas de acesso à água, saneamento, saúde de qualidade, condições de meio ambiente favoráveis, condições de habitação adequada”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Dedecca faz um balanço geral do modo como as políticas sociais foram implementadas no país e frisa que “na próxima década a tendência é ainda haver uma redução da desigualdade muito mais de natureza quantitativa do que qualitativa, caso o país cresça e as políticas públicas indicadas estejam na preocupação do campo político”.
Ele pontua ainda que a atual crise econômica “coloca em risco os ganhos auferidos e, mais do que isso, coloca o país em uma situação de impasse no que diz respeito a quais políticas públicas continuarão sendo adotadas para redução da desigualdade”. Entre as questões que precisam ser revistas para de fato reduzir as desigualdades, o economista adverte para a necessidade de “mudar a visão que a sociedade muitas vezes tem de que os recursos destinados a políticas sociais são gastos”.
E explica: “Na verdade não são gastos, são investimentos: de um lado se utilizam esses recursos para atender e prestar serviços à população, mas, de outro lado, as políticas públicas servem para dinamizar a economia. Quer dizer, quando se destinam recursos à saúde, por exemplo, isso permite o atendimento da população, e, por outro lado, dinamiza todo um conjunto que envolve a produção de medicamentos, o mercado de trabalho, a fabricação de equipamentos, o sistema da construção civil em obras de hospitais e postos de saúde etc.”
Claudio Dedecca diz ainda que as propostas apresentadas pelo governo interino de Michel Temer “podem ter impacto muito mais a médio e longo prazo do que no futuro imediato” e afirma que ainda não é possível perceber quais são as iniciativas que o governo adotará “para o enfrentamento imediato da crise que vivemos”. As medidas apresentadas até o momento, avalia, são as mesmas “que a presidente Dilma encaminhou e o Congresso não aprovou”. E rebate: “A demanda e a esperança que a sociedade tem agora é que este governo contenha a recessão e destrave os desafios para a retomada do crescimento, e não parece haver sinais de que esse governo tenha algo a propor nesse campo para a sociedade brasileira hoje”.
Claudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Possui graduação, mestrado e doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. Dentre outros, é autor de Trabalho e Gênero no Brasil: Formas, Tempo e Contribuição Sócio-Econômica (Brasília: UNIFEM – ONU, 2005) e Racionalização e Trabalho no Capitalismo Avançado (Campinas: Unicamp – IE, 1999).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que balanço faz da situação social do Brasil nos últimos anos? Além da redução da pobreza, houve redução das desigualdades?
Claudio Dedecca – Sim, houve redução da desigualdade em várias dimensões. Mas antes de tratarmos desse assunto, é importante esclarecer ao leitor sobre o conceito de desigualdade. Quando falamos em desigualdade, estamos falando de desigualdade econômica e de desigualdade social. Desigualdade econômica refere-se à renda corrente, isto é, ao valor que cada um de nós recebe mensalmente de modo corrente; e desigualdade social refere-se à redução da desigualdade em termos de acesso à água, saneamento básico, saúde, educação, habitação, transporte, enfim, a um conjunto de bens sociais que a população requer.
Na década passada se conseguiu reduzir as desigualdades. Em grande medida, reduziu-se a desigualdade econômica de renda corrente e, de modo muito tênue, algumas dimensões da desigualdade social, em especial naquilo que diz respeito à educação, em que a desigualdade diminuiu de modo substantivo. Entretanto, a redução observada, seja em termos de renda corrente, seja em termos sociais, foi limitada se considerarmos o impacto que ela teve sobre a situação social da população como um todo, em especial a população de baixa renda. De fato, não transformamos a condição social dessa população; ela continua vivendo em situações de risco, ainda que essa situação de risco tenha sofrido um pequeno recuo.
IHU On-Line – Por quê? O que impossibilitou um avanço maior?
Claudio Dedecca – O grande desafio que tínhamos, e que fomos incapazes de fazer enquanto sociedade, foi estruturar e organizar um conjunto de investimentos que tivesse um impacto importante em termos de transformação nas condições de acesso da população à água, saneamento, saúde, transporte, educação, previdência, meio ambiente.
A redução das desigualdades sociais exige que um conjunto de investimentos seja realizado, e não se conseguiu fazer isso. De fato, o crescimento recente brasileiro foi muito alicerçado no aumento do consumo e a partir da renda corrente da população, mas nosso padrão de investimento foi muito limitado e muito pobre. Esse aspecto foi nossa grande limitação em termos de crescimento e redução da desigualdade.
A partir de 2011/2012 o crescimento baseado no consumo se esgotou e não se teve capacidade de transladar o determinante do crescimento do consumo para o investimento, por não se ter sabido estruturar os padrões de investimento.
IHU On-Line – Em que áreas as desigualdades ainda são um problema grave?
Claudio Dedecca – São várias as áreas que são consideradas quando analisamos a desigualdade social, entre elas a questão do saneamento, a questão agrária, a previdência, as condições do trabalho, saúde, transporte, educação e meio ambiente. Em que área se reduziu a desigualdade? Em educação. Nesse ponto a redução da desigualdade foi muito significativa, apesar de estarmos falando de uma redução em termos de acesso quantitativo. A população de baixa renda brasileira, hoje, tem acesso à educação. A grande questão é se esse acesso é de qualidade, se os pobres têm acesso à educação de qualidade semelhante ao acesso da população de maior renda – a grande desconfiança é que isso não ocorre.
Em outras áreas, como habitação, saneamento, saúde, a redução da desigualdade foi muito tênue, muito limitada, o que impede que possamos falar que houve mudança e transformação nas condições sociais do acesso a esses bens. Apesar de algum esforço realizado pelo Estado, esse esforço foi muito aquém do que a sociedade requer para resolver os problemas de acesso à água, saneamento, saúde de qualidade, condições de meio ambiente favoráveis, condições de habitação adequada. Isso não ocorreu e, mais do que isso, a crise atual coloca sob ameaça o pequeno avanço observado em termos de redução da desigualdade social e também em termos da redução da desigualdade econômica.
“A crise atual coloca sob ameaça o pequeno avanço observado em termos de redução da desigualdade social e também em termos da redução da desigualdade econômica”
IHU On-Line – Uma das críticas feitas às políticas públicas de enfrentamento às desigualdades é a de que essas políticas foram desenvolvidas considerando os aspectos quantitativos e não os qualitativos, ou seja, o mais fundamental foi permitir que mais pessoas tivessem acesso às políticas, sem considerar fundamentalmente a qualidade delas. Por que as políticas foram desenvolvidas nesses termos? Houve uma ingenuidade no tratamento dado a elas?
Claudio Dedecca – A experiência internacional – quando analisamos a experiência de outros países, em especial a dos países desenvolvidos – mostra que o enfrentamento da dimensão quantitativa da desigualdade tende a caracterizar o primeiro esforço da política pública. Somente após a garantia de acesso – acesso de toda a população a um determinado bem público – é que se coloca o enfrentamento do problema qualitativo. Veja o exemplo da educação: é muito difícil – pelo menos não existe exemplo no mundo – que a questão quantitativa seja enfrentada em conjunto com a questão qualitativa. Internacionalmente houve um enfrentamento quantitativamente no primeiro momento, ou seja, se deu acesso à educação, muitas vezes educação de má qualidade, e só posteriormente se observou a melhora da qualidade da educação prestada – e no Brasil também se fez isso.
Esforço das políticas públicas foi limitado
A grande questão é que, mesmo em termos quantitativos, o esforço brasileiro foi muito limitado. O maior exemplo pode ser visto no que diz respeito à habitação: houve um esforço, com o programa Minha Casa Minha Vida, de construir moradias populares, mas em um volume muito aquém daquele que a população exigia. Mesmo assim esse esforço carregou um conjunto de problemas ponderáveis em relação à qualidade da habitação construída e à falta de acesso a bens públicos vinculados ao programa, como problemas de saneamento, de transporte e a ausência de postos de saúde perto dos conjuntos habitacionais construídos.
O maior exemplo de que o esforço realizado foi limitado é a ocorrência do vírus da Zika, já que ele se proliferou justamente entre a população de menor renda. Esse é um sinal de que apesar de todo o esforço feito, as condições de vida dessa população são muitos ruins, porque se não fossem, não teríamos essas epidemias de dengue e Zika observadas no último ano. Então, é evidente que o esforço foi insuficiente diante da dimensão do problema.
IHU On-Line – Considerando a experiência internacional que o senhor aponta, o Brasil se dirige para qual perspectiva: melhorar qualitativamente suas políticas sociais ou continuar desenvolvendo políticas que considerem apenas o número de beneficiados?
Claudio Dedecca – A resposta a esta pergunta não é fácil porque, em primeiro lugar, estamos no meio de uma recessão e toda recessão provoca regressão das condições sociais e da situação de desigualdade. Em segundo lugar, estamos em uma situação de transição política, isto é, não sabemos qual será a trajetória política do país nos próximos anos e, obviamente, a condução das políticas públicas orientadas para a redução da desigualdade dependem de crescimento, de um lado, e da orientação política que o país irá adotar, de outro.
Mas vamos considerar que essa recessão seja rapidamente contornada e que a trajetória política valide as iniciativas feitas no passado recente do país. Se isso ocorrer, é provável que comece a haver melhoras no campo qualitativo também, porque já foi dado à população um acesso mínimo a alguns bens. Portanto, agora o novo desafio é dar um acesso mais qualificado. O campo da educação é o mais claro de se perceber isso: foi dado acesso generalizado à educação básica no país e há a possibilidade de melhorarmos porque nos encontramos em uma situação favorável, caso retomemos o crescimento e caso a educação seja uma bandeira relevante para a história política do país.
No caso da saúde, a situação é um pouco mais complexa por causa do envelhecimento da população. Assim, com a tendência ao aumento da demanda por serviços de saúde, os investimentos serão crescentes nos próximos anos e por isso é necessário fazer um esforço brutal nessa área.
Então, na próxima década a tendência é ainda haver uma redução da desigualdade muito mais de natureza quantitativa do que qualitativa, caso o país cresça e as políticas públicas indicadas estejam na preocupação do campo político. Enfim, as transformações, no que diz respeito à desigualdade social, ainda serão lentas, no meu ponto de vista, até 2025, 2030.
“A redução da desigualdade e da pobreza no Brasil não são desafios que poderemos resolver em quatro ou cinco anos”
IHU On-Line – O que 25 ou 30 anos de políticas públicas quantitativas evidenciam sobre o país no que diz respeito à tentativa de reduzir as desigualdades?
Claudio Dedecca – A história brasileira mostra que nos períodos de crescimento os problemas sociais se agravaram, basta ver a situação entre 1930 e 1964, ou no milagre econômico da década de 1970, que foram os períodos mais relevantes de crescimento do país. A história brasileira – não é à toa que estamos em uma situação de desigualdade vergonhosa – mostra que durante as fases de crescimento do país no século XX, investiu-se pouco na redução da desigualdade. O crescimento recente foi, pela primeira vez, caracterizado por um esforço visando à redução da desigualdade e, de certo modo, isso ocorreu, mesmo que de forma limitada e mesmo que consideremos que poderia ter havido um esforço maior para diminuir a desigualdade de modo mais substantivo.
É importante perceber que a redução da desigualdade e mesmo a redução da pobreza no Brasil não são desafios que poderemos resolver em quatro ou cinco anos. Devemos ter claro que esses dois desafios nos consumirão por uma década ou mais, exigirão estratégias políticas e uma estruturação muito clara das políticas públicas para reduzir a desigualdade no campo social e, também, um pacto na sociedade no sentido de reconhecer que esse processo é relevante. Se a sociedade brasileira não estabelecer legitimidade para um conjunto de políticas que tenha a redução da desigualdade como seu foco principal, dificilmente teremos avanço no enfrentamento da desigualdade social, mesmo que o país volte a crescer. Do meu ponto vista, temos a possibilidade – e a experiência recente nos mostrou isso – de enfrentar a desigualdade social.
A crise atual coloca em risco os ganhos auferidos e, mais do que isso, coloca o país em uma situação de impasse no que diz respeito a quais políticas públicas continuarão sendo adotadas para redução da desigualdade. Essa é a grande questão nesse exato momento, e é difícil que alguém tenha capacidade de responder a esse desafio. O novo governo pode dizer que tem a intenção de realizar políticas nesta área, mas só quando essa intenção se transformar em fatos poderemos confirmar se as condições das políticas públicas, nos próximos anos, estarão orientadas para a redução da desigualdade, como ocorreu nos últimos 15 anos.
IHU On-Line – Entre as políticas sociais adotadas nos últimos anos, quais devem ser mantidas e quais deveriam ser reavaliadas?
Claudio Dedecca – No desenho geral das políticas, o país está no caminho certo, o que falta é uma maior integração entre as políticas. Um dos grandes problemas do Brasil é que se as pessoas pobres precisam da Previdência, vão ao INSS, se precisam de educação, vão à escola, se precisam de trabalho, vão a um posto de qualificação que a prefeitura mantém, ou seja, as pessoas têm que bater em várias portas para conseguir ter acesso às políticas, quando na verdade seria importante unificar essas portas.
Quando um indivíduo pobre busca uma central de atendimento da prefeitura, por exemplo, ele deveria ter a possibilidade de se cadastrar nessa unidade e ter acesso a todas as políticas públicas sociais que ele requer. Mas hoje isso não ocorre e é um grande problema, inclusive é um desperdício de recursos razoável, porque vários sistemas de atendimento estão vinculados a cada uma das políticas e isso precisaria ser mudado.
A grande questão que se coloca é que é preciso começar a mudar a visão que a sociedade muitas vezes tem – e nisso os economistas têm uma responsabilidade enorme – de que os recursos destinados a políticas sociais são gastos. Na verdade não são gastos, são investimentos: de um lado se utilizam esses recursos para atender e prestar serviços à população, mas, de outro lado, as políticas públicas servem para dinamizar a economia.
Quer dizer, quando se destinam recursos à saúde, por exemplo, isso permite o atendimento da população, e, por outro lado, dinamiza todo um conjunto que envolve a produção de medicamentos, o mercado de trabalho, a fabricação de equipamentos, o sistema da construção civil em obras de hospitais e postos de saúde etc. É nesse sentido que eu dizia inicialmente que se perdeu a oportunidade de alavancar o investimento nessas áreas, porque fortalecer o investimento nas políticas sociais significa também estimular os setores produtivos vinculados às políticas sociais. Desse modo, poderíamos ter optado por um crescimento não tão voltado para a produção de bens eletrônicos e automobilísticos, mas muito mais para a produção de bens que organizam as políticas sociais.
Se optarmos por investir em políticas públicas, não só poderemos ter um crescimento econômico com outra característica, com uma qualidade muito melhor do ponto de vista social, mas também um crescimento ligado a setores que são menos poluentes e que incorporam mais tecnologia.
IHU On-Line – Já é possível vislumbrar as linhas gerais do governo interino de Temer em relação às questões sociais?
Claudio Dedecca – Há alguns sinais do que ele fará na economia, e esse é um grande problema. Eu esperava mais do pronunciamento dele de quinta-feira para cá, esperava que esse governo dissesse mais claramente a que veio; isso não ocorreu. Ele corre contra o relógio no sentido de que tem seis meses para mostrar serviço. Por outro lado, a presidente Dilma, que está afastada, se moverá para conquistar espaço e retomar seu posto. A grande questão é saber se a crise política será superada em um futuro próximo; tenho grandes dúvidas sobre isso. Podemos ter ainda uma crise política que perdure por um bom tempo, o que será uma complicação para a construção das políticas sociais.
Uma crise política pode decorrer da consolidação desse governo, que mostra um problema de legitimidade substantivo, ou da tragédia desse governo e do retorno do governo Dilma, que também tem um problema de legitimidade enorme na sociedade brasileira. A questão é como reconstruir a legitimidade dos governos na sociedade brasileira, porque essa legitimidade é fundamental para a reconquista da governabilidade do Estado como um todo, mas mais do que isso, de governabilidade das políticas sociais. É impossível, nesse exato momento, ter qualquer prognóstico de como as políticas públicas serão conduzidas nos próximos meses, infelizmente.
“A grande questão é saber se a crise política será superada em um futuro próximo; tenho grandes dúvidas sobre isso”
IHU On-Line – O senhor diz que a crise política poderá interromper o andamento de políticas sociais. A crise política que existia no governo Dilma continua no governo Temer, considerando que a CUT não aceitou o convite de participar da reunião sobre a reforma trabalhista? Os personagens apenas mudaram de lugar?
Claudio Dedecca – A falta de diálogo não está nascendo agora, já estava presente antes do impeachment. Temos de entender que uma coisa foi a postura difícil por parte do governo Dilma – isso é amplamente reconhecido – e outra é o fato de que a oposição não tinha nenhuma disposição de conversar com o governo. Para termos uma ideia, o conjunto de medidas que o governo atual está propondo e encaminhará ao Congresso são medidas que a presidente Dilma encaminhou e o Congresso não aprovou – isso mostra como faltou diálogo, certo espírito democrático e uma preocupação com o país.
O governo atual já está dizendo que criará a CPMF, mas quando a presidente Dilma tocou nesse assunto, no ano passado, foi bombardeada pela oposição como se fosse o diabo. Então, a falta de diálogo já está presente há um bom tempo e a oposição tomou uma postura de não dialogar de modo algum e se moveu no sentido de inviabilizar o governo da presidente Dilma e viabilizar o impeachment. Agora, a oposição está com a responsabilidade de viabilizar seu próprio governo e, com certeza, as forças vinculadas à presidente Dilma farão oposição, porque não há nenhum motivo para que essas forças proponham o diálogo.
Mais do que isso, temos que levar em conta que o relógio está correndo contra o governo atual, então, quanto mais dificuldade o governo atual tiver, provavelmente maior a probabilidade de a presidente Dilma voltar a governar. O jogo político talvez seja mais complexo agora do que antes do impeachment.
Reforma da Previdência
Outro aspecto importante que precisa ser realçado é que o governo atual levanta questões da Reforma da Previdência. Entretanto, a recessão em que o país se encontra é brutal. A Reforma da Previdência – independente do conteúdo que venha a ter – terá impacto nas contas públicas em todo o país depois de muito tempo, ou seja, não tem efeito imediato para conter a recessão. O governo está levantando, inclusive, um conjunto de iniciativas que podem ter impacto muito mais a médio e longo prazo do que no futuro imediato. Então, quais são as iniciativas que esse governo já declarou que terá para o enfrentamento imediato da crise que vivemos? Essa é a grande questão.
Impedir a regressão no que diz respeito à desigualdade, pelo menos no curto prazo, depende, fundamentalmente, de medidas que estanquem o processo de recessão e que abram uma perspectiva de crescimento em um prazo muito curto. E o que temos de perguntar é o que este governo está propondo. Diria que até esse momento, nada, mesmo porque boa parte desse governo é composta por Ministros que estavam no governo Dilma e que não encaminharam nada também no governo dela. Conseguirão encaminhar agora? Por isso, minha dúvida é enorme. E o futuro do país depende de medidas imediatas no combate à recessão, e não de reformas que começarão a ter repercussão em cinco, seis, sete ou dez anos.
IHU On-Line – Como vê a discussão sobre a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista no governo Temer? É possível vislumbrar em que aspectos essa proposta é diferente da do governo Dilma? Há risco de perda de direitos?
Claudio Dedecca – A desconfiança de que uma Reforma Trabalhista e uma Reforma da Previdência acarretarão perdas de direitos é razoavelmente justificada. É importante apontar que o país demanda iniciativas que consigam conter a recessão e que reabram a perspectiva de crescimento no futuro imediato. Espero que ainda em 2016 tenhamos capacidade de reabrir um cenário de crescimento. Nenhuma das duas reformas faz isso, ou seja, as medidas para reativar o crescimento não decorrem das reformas, independentemente das características que cada uma delas venha a assumir. Em relação a isso o governo que assumiu não diz nada.
Na sexta-feira (13-05-2016) as entrevistas feitas pelos Ministros foram marcadas por uma ausência de conteúdo substantivo do que cada um deles irá fazer, mas, mais do que isso, foi uma situação de generalidade à gagueira: os Ministros mais gaguejavam do que expunham claramente suas ideias. Isso é um problema porque a demanda e a esperança que a sociedade tem agora é que este governo contenha a recessão e destrave os desafios para a retomada do crescimento, e não parece haver sinais de que esse governo tenha algo a propor nesse campo para a sociedade brasileira hoje.
“Precisaríamos estudar como as grandes fortunas se organizam no país, através de pessoas jurídicas, e fazer as taxações das pessoas jurídicas em detrimento das pessoas físicas”.
IHU On-Line – O senhor tem alguma ideia do que seria uma política para resolver os problemas imediatos do país?
Claudio Dedecca – Infelizmente, a minha posição é a seguinte: dificilmente nós poderemos voltar a crescer no Brasil sem algum aumento de impostos. Não sou simpático à CPMF, mas acho que é impossível que ela não seja adotada. Nesse momento há um horizonte que permite reduzir a taxa de juros, porque a situação é mais favorável e, portanto, isso reduzirá o gasto da dívida pública brasileira. São medidas dessa natureza que precisamos adotar rapidamente para conter a sangria da situação econômica do país. Tudo indica que o governo fará isso, apesar de ter impedido que o governo Dilma fizesse.
IHU On-Line – Como vê a sugestão de tributação de grandes fortunas e heranças como alternativa ao enfrentamento das desigualdades? Essas são propostas efetivas para enfrentar as questões das desigualdades?
Claudio Dedecca – Tributar as grandes fortunas é necessário, dado que o Brasil não as tributa e elas pagam pouco imposto. Agora, as iniciativas que estão desenhadas e propostas no Congresso Nacional são insuficientes, por um motivo simples: os grandes patrimônios no Brasil não estão associados à pessoa física, mas, sim, à pessoa jurídica, dado que as pessoas físicas são sócias das pessoas jurídicas que detêm essas grandes fortunas e patrimônios.
Na verdade, precisaríamos estudar como as grandes fortunas se organizam no país, através de pessoas jurídicas, e fazer as taxações das pessoas jurídicas em detrimento das pessoas físicas. Se taxássemos os grandes patrimônios das pessoas físicas, acabaríamos taxando a classe média, e os ricos ficariam fora desse processo.
Fonte: Adital