Representantes de organizações da sociedade civil manifestam preocupação com as próximas consequências do golpe que levou Michel Temer ao poder, com apoio de forças conservadoras
Por Kaique Santos e Nicolau Soares, do Observatório
Em 31 de janeiro, o Brasil completa cinco meses sob o comando do presidente Michel Temer (PMDB). Após o desfecho do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), considerado como golpe por movimentos sociais, intelectuais, artistas e juristas, parece não ter fim o desrespeito aos Direitos Humanos por parte do governo atual e do Legislativo que o apoia. Atos de violência contra movimentos sociais e defensores de direitos têm aumentado junto com o avanço das forças neoliberais que apoiam o atual governo.
Elaine Rissi, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), trouxe dados assustadores sobre os assassinatos no campo em sua fala na Plenária de Direitos Humanos, realizada no dia 19 de janeiro pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) em conjunto com outras organizações da sociedade civil, durante o Fórum Social das Resistências, em Porto Alegre.
Enquanto em 2015 foram 50 mortes registradas em conflitos agrários, dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que o número foi ultrapassado em 2016, que registrou 54 assassinatos antes mesmo do final do ano. Ainda segundo a CPT, o ano passado teve o maior número de mortes desde 2003. “O golpe inicia um momento de reforma agrária zero, sem nenhum novo assentamento e contribui com um contexto de expansão do latifúndio, de disputa e retomada de territórios, muitos deles recuperados pela ação de assentados que agora são expulsos. A retomada de territórios inclui também a criminalização dos movimentos”, denunciou Elaine.
O advogado Jacques Távora Alfonsin, da Acesso – Cidadania e Direitos Humanos, destacou a distinção entre legalidade e legitimidade para explicar a postura dos movimentos sociais na resistência ao processo de golpe jurídico-parlamentar vivido no Brasil. “Resistimos contra um governo que impõe um Estado de exceção e sua relação promíscua com setores econômicos que ampliam a desigualdade e criminalizam quem se opõe a isso”, afirmou. “Se a legalidade foi invocada para explicar o golpe, ancorada em dogmas neoliberais, é a legitimidade que nos permite fazer alianças baseadas não na lei, mas na luta pela justiça social.”
A violência afeta também grupos sociais que estão na linha de frente das disputas por terra, como indígenas e quilombolas. “O massacre continua até os dias de hoje”, afirmou João Carlos Padilha, representante da etnia Kaingang – entre os mais numerosos povos indígenas do Brasil. Para ele, todas as terras demarcadas no país foram graças a muita luta e força, porque só funciona assim. “Nós queremos que se obedeça a Constituição de 1988. Lutamos 50 anos para conquistar, e isso não é obedecido. Queremos não só as nossas terras, mas as dos quilombolas, a reforma agrária e urbana.”
Para além das disputas econômicas, a violência de gênero é um dos elementos marcantes do contexto do Brasil pós-golpe. “No Brasil, o golpe foi jurídico-parlamentar, mas fomentou a violência de diversos tipos, principalmente do ponto de vista machista. Todos se lembram dos ataques machistas que a presidenta sofreu. Isso repercute no cotidiano das pessoas”, denunciou Verônica Maria Ferreira, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
“Se a gente tem um parlamentar que diz que não vai estuprar uma deputada porque ela não merece e não sofre nenhuma consequência, isso repercute. O crime de Campinas é um reflexo disso”, completou, relacionando a agressão do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) contra a sua colega Maria do Rosário (PT-RS) à chacina ocorrida na cidade paulista na madrugada do dia 1º de janeiro, quando um homem matou a ex-mulher, seu filho e outras 10 pessoas e depois suicidou-se.
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Verônica diz que, no momento atual, a violação e o desrespeito aos direitos são reforçados por outros países: “Há hoje uma associação forte entre os ultraliberais e as forças do patriarcado fundamentalistas, conservadoras, machistas e racistas. Vemos na Europa e na América Latina que junto com as políticas neoliberais vem ações conservadoras, xenófobas”. A representante da AMB culpa a falta de punição como causa para as violações continuarem.
A Plenária de Direitos Humanos aconteceu no dia 19, como parte do Fórum Social das Resistências, que ocorreu entre os dias 17 e 21 de janeiro em Porto Alegre (RS) e possibilitou um processo de articulação política, social e cultural de resistência contra o crescente processo de retrocessos pós-golpe.