Por: Clédisson Junior
Via: redebrasilatual.com
A injustiça e o racismo ambiental ocorrem quando a maior parte dos danos ambientais causados pelo “desenvolvimento” recai em populações de baixa renda, grupos raciais historicamente marginalizados e quase sempre em situação de vulnerabilidade.
Moradores e comerciantes da Vila São Paulo, comunidade que fica na divisa das cidades de Belo Horizonte e Contagem, sempre ficam apreensivos após o início do período de chuva na região. No local, o córrego Ferrugem se encontra com o Ribeirão Arrudas, e os dois costumam transbordar com o volume de água que chega dos afluentes. Em todo período chuvoso, as famílias têm suas casas inundadas e, constantemente, perdem tudo o que foi construído durante toda uma vida. Nos últimos anos, as chuvas vêm causando estragos em diversos pontos do município de Contagem e em toda a região metropolitana de Belo Horizonte.
Em 2020 o mês de janeiro em Belo Horizonte foi o mais chuvoso registrado desde o ano de 1910, quando se iniciou a série histórica. O bairro de Lourdes, na região centro-sul da cidade, conhecido pelos luxuosos condomínios verticais e comércio de altíssimo poder aquisitivo, não resistiu à precipitação de 183,3 milímetros de chuva em três horas e teve vias submersas diante da quantidade de água que atingiu a cidade. A via se transformou em um rio a céu aberto, com a água invadindo bares e restaurantes e provocando uma grande correnteza que arrastou carros e postes.
Nos dias seguintes, após o arrefecimento da chuva, o que se pôde ver foi o asfalto que ruiu, abrindo crateras. Restaurantes, bares, agências bancárias, antiquários, farmácias, boutiques, postos de gasolina, supermercados, salões de beleza e barbearias, delicatéssens, padarias, floriculturas, agências de turismo e escritórios, nada escapou da fúria da água. Calçadas inteiras foram arrancadas.
ormalmente os temporais registrados no começo de todo ano na região Sudeste são, em geral, fenômenos meteorológicos associados a causas naturais. Contudo, para alguns especialistas, a intensidade dos temporais é um reflexo das mudanças climáticas. O que se observa é que a elevação das temperaturas do planeta faz com que fenômenos extremos se tornem cada vez mais frequentes, chuvas que eram para cair em um período de 30 dias estão caindo no período de um ou dois dias.
O que também chama a atenção é o tratamento dado acerca da resolução dos problemas causados pela chuva, considerando as diferenças geográficas e o perfil socioeconômico dos atingidos pelos temporais. Sobre os problemas recorrentes causado pelas intensas chuvas na Vila São Paulo, na região do Industrial, onde 30 mil pessoas sofrem com as inundações, no ano de 2019 foi realizado pelo poder público municipal um treinamento, um simulado de enfrentamento a enchentes no período chuvoso. Os moradores também foram cadastrados para receber os alertas da Defesa Civil. É importante aqui destacar que nos anos que se seguiram a comunidade da Vila São Paulo e seu entorno continuou sendo impactada pelas fortes chuvas e pelas inundações que têm causado constantes remoções quando não ocorrem mortes em função das enchentes.
Já no bairro de Lourdes, localizado na região mais nobre da capital mineira, a reconstrução das ruas e da praça destruídas pelo temporal e liberação da via para uso dos moradores e aqueles que necessitam acessar a região, deu-se em um período recorde de uma semana. É importante aqui fazer uma ressalva: inúmeras outras regiões de BH foram e são impactadas pelo poder das chuvas, uma delas é a região de Venda Nova, zona norte da cidade. Para as obras de urbanização de áreas de risco, o governo municipal solicitou a autorização da Câmara dos Vereadores para contrair empréstimos na ordem de R$ 900 milhões com o intuito de impulsionar o Programa de Redução de Riscos de Inundações e Melhorias Urbanas na Bacia do Ribeirão Isidoro. Destaco que, no entorno da bacia, se localizam as ocupações urbanas Izidora, Helena Greco, Dandara, Vitória e Rosa Leão, territórios negros, que se insurgiram contra a especulação imobiliária. O empréstimo de R$ 900 milhões foi rejeitado pela maioria dos vereadores conservadores da casa.
Mobilizo aqui o termo justiça ambiental, um conceito atribuído a Robert Bullard, sociólogo norte americano, que em suas pesquisas, mostrou que as comunidades negras no Texas são as que mais sofrem com a poluição e a destinação do lixo para as áreas periféricas das cidades. Ele é autor de livros sobre desenvolvimento sustentável, racismo ambiental e justiça climática.
Por justiça ambiental se compreende o conjunto de princípios em que nenhum coletivo humano desde grupos étnicos ou de classe sejam submetidos a arcar desproporcionalmente com as consequências ambientais negativas de decisões políticas e atividades econômicas, assim como a ausência ou omissão destas mesmas decisões políticas. A injustiça e o racismo ambiental ocorrem quando a maior parte dos danos ambientais causados pelo “desenvolvimento” recai em populações de baixa renda, grupos raciais historicamente marginalizados e quase sempre em situação de vulnerabilidade.
As periferias brasileiras são territórios marcados pelo racismo ambiental. A expansão difusa das cidades, a discriminação e as violências (simbólicas e concretas) impostas pelo poder público às populações negras, indígenas e extremamente pobres as tornam extremamente vulneráveis a problemas como poluição atmosférica, enchentes e deslizamentos de terras, proliferação de doenças e contaminação de solo e da água potável. A incidência cada vez maior de eventos climáticos extremos, o aumento da temperatura causado pelo desmatamento, assoreamento de rios, pela emissão de gases de efeito estufa (GEE), decorrente das queimadas, por causa do uso intensivo de combustíveis fósseis nos automóveis e na indústria, assim como a destinação tendenciosa do lixo urbano, intensificam os riscos vivenciados por estas populações, fazendo com que estas pessoas experienciem de forma diferente das pessoas não negras, com maior poder aquisitivo, as consequências da crise climática.
Clédisson Junior é doutorando em Ciências Sociais, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Coordenou o Conselho Nacional dos Direitos Humanos no segundo governo Dilma Roussef e foi membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial