O presidente do Instituto Trata Brasil discute principais problemas que envolvem o saneamento básico no país
Por Marcela Reis, do Observatório
No país todo, só 39% dos esgotos são tratados. Na Região Norte esse índice não chega nem a 15%. A situação do saneamento básico no Brasil é um problema latente tanto para a saúde dos/as cidadãos/ãs, quanto para o meio ambiente.
Na conjuntura atual, o problema só tende a crescer. Como pontua Édison Carlos, presidente do Trata Brasil, a falta de saneamento básico pode ser um dos fatores que ampliam os focos de criação do mosquito Aedes Aegypti, vetor da dengue, zika vírus e chykunguya, doenças que tem afetado diversos/as brasileiros/as.
Em entrevista ao Observatório, Édison explica os principais problemas do saneamento básico no Brasil e conta do descaso dos/as governantes em relação ao tema.
1-Qual a situação atual do saneamento básico no país?
Temos uma situação alarmante ainda para um país como o nosso: mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta dos esgotos e somente 39% dos esgotos são tratados. Até mesmo no abastecimento de água temos problemas, com mais de 35 milhões de pessoas fora desta conta. Foram décadas e mais décadas de descaso do poder público, as cidades cresceram absurdamente em pouco tempo e a infraestrutura do saneamento não acompanhou. Hoje o resultado é este, e as previsões para termos o saneamento universalizado não são nada boas.
2-Os governos municipais, estaduais e federal têm investido nisso? Em que instância a situação está mais complicada?
Sim, mas muito menos do que o país precisa se quiser universalizar a água e os esgotos em 20 anos, que é o prazo previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB). Temos que enxergar o saneamento como infraestrutura essencial para a qualidade de vida das pessoas, ao invés de deixá-lo de lado. Muitas autoridades decidem investir em obras mais visíveis, como hospitais, postos de saúde, asfalto, e esquecem do básico. Outras, ao assumirem, não querem continuar políticas iniciadas por gestões anteriores por questões partidárias e isso atrasa ainda mais os avanços.
No plano federal, ainda temos problemas de burocracia em Brasília que retardam a aprovação dos projetos de saneamento, chegando a quase 23 meses para aprovação. Isso desestimula os tomadores de recursos devido à demora para o dinheiro ser liberado para os estados e municípios. Sendo assim, as obras de saneamento acabam sendo postergadas por meses ou até anos. Os prefeitos, que são os titulares da gestão do saneamento, precisam ajudar as empresas de saneamento na formulação de bons projetos e também cobrar avanços mais concretos. Os governadores, detentores das maiores empresas de saneamento do país, precisam apoiar os municípios e cobrar melhor gestão dessas empresas.
3-Por que o saneamento básico de qualidade não costuma ser uma das bandeiras dos candidatos a cargos políticos?
É importante ressaltar que há muitas autoridades investindo em saneamento e temos cidades caminhando para padrões europeus de atendimento. Infelizmente, no entanto, muitos preferem perseguir obras que dão voto, como construção de creches, postos médicos, viadutos e etc. Embora todas sejam importantes, a expansão das redes de água tratada e de coleta de esgotos, além do tratamento desses esgotos, não podem ser deixados de lado, pois é um direito humano reconhecido pela ONU e fundamental para o desenvolvimento social de uma sociedade. Após a sanção da Lei do Saneamento (lei 11.445/2007), todo município precisa fazer o seu Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), que é o planejamento sanitário da cidade. Com isso ele pode buscar recursos federais para a expansão do saneamento no seu município. Cabe a cada prefeito providenciar este plano e apresentar em Brasília para obter estes investimentos. Infelizmente há um número excessivo de prefeituras que não entregaram os PMSBs até hoje, o que também trava os avanços em saneamento e prejudica diretamente a população.
4-O grande problema do saneamento básico está no abastecimento de água, na coleta do esgoto ou em seu tratamento?
O atendimento em água tratada é o indicador que mais avançou dos anos 70 até hoje e temos cerca de 83% da população com acesso ao serviço. Em segundo lugar temos a coleta dos esgotos, disponível a 49% dos brasileiros, e em terceiro lugar, mais atrasado, está o tratamento dos esgotos, pois apenas 40% dos esgotos do país são tratados. Outro indicador muito preocupante, ainda mais depois da crise hídrica que passamos no Sudeste, são as perdas de água potável nas redes de distribuição, e que chegam a 37% na média nacional. Estados da região Norte costumam perder mais de 50% da água já potável, o que mostra como estamos distantes de tratar a água como o bem precioso que é.
5-Qual a importância do saneamento básico para aspectos sociais e ambientais?
Dados oficiais do IBGE mostram que o país teve em 2013 mais de 400 mil internados por diarreia, sendo mais de 50% destes casos em crianças de 0 a 5 anos. Muitas destas internações são resultados do contato com esgoto ao céu aberto e água poluída, o que mostra que o impacto da falta de saneamento é direto e prejudicial. A falta do saneamento causa impactos diretos na saúde, mas também na produtividade no trabalho, no turismo, na valorização imobiliária e etc. O Trata Brasil fez estudo, em parceria com o CEBDS (Conselho Nacional Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável), intitulado “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro”, que mostrou o quanto o país deixa de ganhar com a universalização do saneamento. Somente no turismo, que é um dos setores econômicos mais afetados pela falta de saneamento, estima-se que o país poderia criar até 500 mil novos postos de trabalhos entre colocações em hotéis, pousadas, restaurantes, agências de turismo, empresas de transportes de passageiros etc.
Atualmente estamos discutindo as doenças relacionadas ao mosquito Aedes Aegypti, como dengue, zika vírus e chykunguya. A falta de saneamento já está sendo colocada como um dos fatores que ampliam os focos de criação do mosquito. Então a solução passará necessariamente pela expansão das redes de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos, eliminação dos lixões a céu aberto e condução correta das águas de chuva. Em suma, saneamento é transversal: quando há a cobertura de todos os serviços, a população é beneficiada como um todo, quando não há, temos problemas para todos também.
Créditos da Foto: Trata Brasil