Falta de espaço na mídia tradicional e os retrocessos no campo dos direitos humanos fazem com que as organizações da sociedade civil criem novas estratégias de comunicação
O momento atual do país é complexo, com uma crise política, econômica e social instaurada, em que muitos direitos garantidos ao longo de décadas estão ameaçados. As organizações da sociedade civil, que sempre estiveram à frente de debates, experiências e lutas para a promoção e defesa destes direitos, precisam, diante deste cenário, se fortalecer ainda mais. Para que isso aconteça, apontam diversos especialistas do campo social, é necessário que a comunicação seja um eixo fundamental de ação.
“É necessário que as organizações tenham mais capacidade de comunicar para a sociedade as ameaças e retrocessos que estamos vendo acontecer e ajudar a sociedade a reagir. A comunicação passa a ser estratégica. Por conta da nova dinâmica das redes sociais, não basta só as vozes das organizações para propor mudanças. É preciso sensibilizar a sociedade, pois é somente com uma manifestação mais ampla que vamos conseguir pressionar e ter um impacto maior nos tomadores de decisão”, acredita Adriana Ramos, membro da diretoria executiva da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais.
Na avaliação de Helena Bins Ely, coordenadora pedagógica do Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp) – organização fundada em 1983 e com atuação junto à população de rua, grupos de economia solidária e população da matriz africana no Rio Grande do Sul – estabelecer essa comunicação ativa das organizações se faz necessário, mais do que nunca, a fim de contrapor uma visão institucionalizada da mídia tradicional.
“A imprensa está criando e disseminando uma visão de mundo que não diz a verdade e as pessoas compram essas informações como se fossem únicas. Por isso, discutimos muito a importância de estar nas redes sociais, principalmente, e em mídias alternativas, contrapondo essa visão hegemônica de leitura de mundo, que é muito autoritária, onipresente. As organizações da sociedade civil que lutam pela defesa da democracia precisam denunciar isso”, alerta.
Para os gestores das OSCs, a presença e a fala das organizações dificilmente ganham a relevância devida na imprensa e, quando isso acontece, normalmente é com uma visão distorcida sobre a sua forma de atuação. “Quando há espaço, geralmente é para falar de práticas assistencialistas. Não diria que exista uma repercussão importante do trabalho das OSCs na defesa da democracia. A mídia ignora isso, não traz para a pauta e não promove o debate das contradições da sociedade”, completa Helena.
Outro ponto a ser observado é a falta de espaço hoje nos veículos de comunicação para trazer com profundidade de análise e reflexão as questões cruciais da sociedade, a fim de que a população possa, de fato, compreender os temas do campo de atuação das OSCs, principalmente em defesa de direitos. Ao mesmo tempo, há, cada vez mais, uma oportunidade de que estes assuntos sejam tratados com a devida atenção em mídias mais alternativas.
“Acreditamos que é preciso fortalecer estas mídias onde vemos produções de mais qualidade. Porém, é preciso trabalhar também a linguagem da comunicação das próprias organizações para que estes temas sejam passíveis de entendimento e possam ser tratados na forma mais adequada na dinâmica que a mídia tem hoje”, comenta Adriana.
Comunicadores em rede
Atentas a esse cenário de desafios, mas também de oportunidades para as OSC se posicionarem a partir de uma comunicação mais proativa, a Abong, em parceria com a Cfemea, Camp e Cese, com apoio financeiro da União Europeia, lançam duas iniciativas voltadas aos comunicadores do campo social. As ações fazem parte do projeto “Sociedade Civil Construindo A Resistência Democrática”, que será desenvolvido até 2020.
A expectativa da Abong e associadas é potencializar, portanto, a comunicação de pequenas organizações espalhadas pelo Brasil, que tiveram um papel fundamental na conquista dos direitos, apresentando ferramentas e metodologias de comunicação, visando amplificar este papel e fortalecer a perspectiva de incidência política.
Uma das iniciativas é o Encontro de Comunicadores(as) da Sociedade Civil pela Defesa de Direitos, que acontecerá de 25 a 29 de setembro, em São Paulo. Durante cinco dias, serão realizadas atividades com intuito de pautar, organizar e disseminar a produção de conteúdos sobre direitos humanos, além da troca de experiências e alternativas de mobilização social entre os participantes.
Para o encontro, foram selecionados 20 comunicadores de diversas regiões do país que compõem organizações e movimentos sociais. Quinze representantes associadas à Abong e cinco parceiras estratégicas se comprometeram em realizar oficinas presenciais sobre comunicação em suas respectivas regiões do território.
Além disso, de 26 de setembro a 28 de novembro, será promovido o curso de educação à distância ‘Comunicação e Incidência Política’. A formação terá duração de 60 horas e reunirá 60 comunicadores de OSCs de todo o Brasil. Durante o curso, serão apresentados conteúdos que trazem um olhar crítico para a comunicação, para o real potencial das redes sociais, e o uso das diferentes e das novas ferramentas e linguagens, favorecendo o desenvolvimento institucional, a articulação de parcerias, a mobilização e o engajamento social.
Entre os temas a serem trabalhados estão: a construção da transparência e espaços de diálogo; comunicar para diferentes públicos; articulação em rede e parcerias na comunicação; mídia e advocacy; relacionamento com imprensa e a grande mídia; entre outros.
A expectativa é que, a partir destas duas ações, seja criada uma Rede de Comunicadores, a fim de fortalecer e ampliar a produção de conteúdo, materiais e produtos, assim como a incidência das OSCs.
Masra de Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) – organização sem fins lucrativos, fundada em 1989, com sede em Brasília (DF) –, acredita que a Rede poderá potencializar o que tem sido produzido com alta qualidade pelas OSCs, mas que muitas vezes não chega ao alcance da sociedade.
“Entendemos a comunicação como estruturante e central na construção de narrativa, mobilização e defesa de direitos. Mas, hoje, ela está muito descentralizada entre as organizações. Acreditamos que esse trabalho em rede pode fortalecer a atuação das OSCs, não só no esforço de produção mais disseminado, mas também no sentido de ter os próprios comunicadores das organizações uma capacidade aprimorada para interagir com a imprensa”, ressalta Masra.
Em sua avaliação, estes comunicadores atuando em conjunto poderão, inclusive, pensar em formas e estratégias para desatar alguns nós enfrentados atualmente pelas OSCs e ajudar a construir narrativas concretas de defesa de direitos junto à sociedade.