Com decisões centradas em jogos políticos internos, atuação do Congresso revela distância de qualquer projeto político para o Brasil
Por Gisele Brito, especial para o Observatório
Depois de quase um ano rondando o Planalto, o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff foi aberto no começo da semana. Desde o anúncio do pacote fiscal, em setembro, os grupos que tomaram as ruas em vários momentos vestidos de verde e amarelo pedindo a saída da presidenta não batiam panelas e a articulação em torno da cassação de Dilma parecia enfraquecida.
Mesmo assim, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fez o anúncio do acolhimento de um dos pedidos de impedimento em um quebra-queixo, menos glamorosa e mais desorganizada forma de entrevista que é possível conceder a meios de comunicação. A decisão foi claramente um desfecho do jogo de força entre Cunha o Partido dos Trabalhadores (PT), que anunciou voto favorável à abertura de um processo de cassação contra o deputado no Conselho de Ética da Casa.
Assim como diversos juristas, quem defende a permanência de Dilma no poder vê uma tentativa de golpe constitucional sendo armada. O argumento para a cassação, as “pedaladas fiscais”, não constituiriam crimes de responsabilidades e a única motivação para tentar remover a presidenta do cargo seria política.
Nesse cenário, o gesto de Cunha reacendeu as militâncias contra e a favor a saída de Dilma. Entre os dias 7 e 11, centrais sindicais e movimentos populares devem sair às ruas em várias cidades do país para defender o mandado da presidenta. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) definiu essa como sua pauta prioritária. “Diante dos ataques inescrupulosos contra a democracia que nosso País vem sofrendo, a Central Única dos Trabalhadores, com a unidade da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, estará nas ruas de todo o Brasil em defesa do mandato democrático-popular legitimamente eleito pela população brasileira”, declara em informe de convocação de suas bases. No dia 13 é a vez dos grupos favoráveis a cassação irem às ruas.
No entanto, a voz das ruas, contra ou a favor, pode não ter o peso que se espera em uma democracia. É o que avalia Sérgio Haddad, curador Fundo Brasil de Direitos Humanos, para quem os parlamentares estão “autocentrados em disputadas internas”. “Há um certo autismo em relação ao que a população pensa, deseja. Eles vão tocar o processo sem considerar a população? Pode ser que sim. O processo tem interesses dos mais diversos e eles não agem conforme as pulsões da sociedade. Isso implica em negociações, trocas. Eu não tenho visto que um verdadeiro projeto de país esteja em cima da mesa”, afirma.
O jornalista e membro do conselho do Fórum Social Mundial Antonio Martins classifica essa atuação de parlamentares e governos descolada da população como um “sequestro da política”, que levaria à desilusão e falta de mobilização social. “Vivemos os últimos 12 anos uma exceção sul-americana disso que vinha acontecendo no resto do mundo. Se você examina a política na Europa ou EUA há uma tendência de igualamento dos partidos e falta de opções concretas para a população. O neoliberalismo se tornou hegemônico e as pessoas estão desencantadas com a política. A América do Sul foi exceção, mas esse segundo governo Dilma joga tudo na vala comum. As políticas que estão realizando são consensuais entre as classes políticas. Não tem alternância concreta para a população”, pondera.
Antonio acredita que a estratégia principal dos conservadores não é o impeachment, já que Dilma teria cedido às suas principais reivindicações e sofre sozinha o desgaste político disso. Para ele, a melhor forma de resistir seria a presidenta se reconectar com suas bases e disputar na rua o processo. Mas teme que o governo prefira apostar na formação de maioria no congresso para impedir que ele prossiga. “A aristocracia financeira foi a que mais resistiu as medidas do governo quando se tentou baixar os juros, elevar os gastos sociais. Mas quando ela optou pelo ajuste fiscal tentou fazer acordo com esse setor e aí foi cassado o desejo popular das eleições”, lembra Martins. “O governo não está muito empenhado na mobilização. Eles estão apostando na maioria no Congresso. Mas repactuar com as ruas seria o melhor caminho”.