Por Gisele Brito
A luta pela demarcação de uma terra em Roraima pode parecer pouco interessante para um morador da Pavuna, no Rio, ou de Moema, em São Paulo. Mas, diariamente, ao se alimentar ou abrir a torneira de casa, os lugares se conectam. “Se não fosse a luta dos povos indígenas, o Brasil inteiro já seria pasto”, pontuou Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, durante a primeira mesa de Convergência do Encontro Novos Paradigmas, no Fórum Social Mundial, que aconteceu na semana passada em Salvador.
Além de Sônia, participaram da mesa Daniel Hostettler, da Fastenopfer, Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica, Tania Ricaldi, do Grupo de Trabalho Cambio Climático y Justicia, Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, e Natalia Quiñonez, da Fundasal por el Derecho a La Vivienda y al Habitat. Os participantes apontaram como fundamental a importância da incorporação de modos tradicionais de vida em políticas públicas e soluções sistêmicas para salvar a humanidade de sua derrocada, em meio à crise ambiental grave em que vivemos e que se aprofunda.
Para Hostettler, muitas das abordagens de combate aos problemas sociais até agora eram reformadoras e não transformadoras “e isso não é mais suficiente”. Dessa forma, é preciso buscar alternativas que reúnam características de práticas bem-sucedidas na proposição de novos paradigmas, como o desenvolvimento de economias descentralizadas e comunitárias, uso de tecnologias baseadas nos saberes da comunidade e o uso comunitário delas, ações que partem da base e que respeitem as questões ambientais.
Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, apontou que, ainda que a crítica ao modelo de desenvolvimento atual tenha crescido nas Américas, onde legislações consideradas utópicas foram aprovadas durante governos progressistas, nada foi alterado na posição desses países na divisão internacional do trabalho, ficando legado a eles o fornecimento de matérias-primas extraídas do meio ambiente. E é justamente essa extração que põe em jogo modos de vida transformados pelo “desenvolvimento”. “O extrativismo não é apenas um modelo econômico, mas de sociedade”, afirmou.
O enfrentamento ao extrativismo também esteve presente na fala de Pablo Solon, da Fundação Solon, no segundo dia do encontro. Solon defendeu que é preciso buscar alternativas que enfrentem o que chamou de crise sistêmica, ou seja, que afeta igualmente o social, o econômico, o político e o ambiental. O boliviano afirmou que não basta haver governos anticapitalistas, como vários latinoamericanos se declararam nos últimos anos, mas é preciso ser antiextrativista e antiprodutivista. Para ele, não é mais suficiente que as soluções se restrinjam à mudança de matriz energética, supostamente mais limpa, como a solar em detrimento da proveniente do petróleo. É preciso repensar o consumo de energia e “mudar a relação com a natureza”.
Solon participou da mesa Alternativas para a Transição para o Outro Mundo, que também contou com falas de Patrick Viveret, da Rede Diálogos em Humanidade, Ricardo Petrella, do Instituto Europeu de Pesquisa sobre a Política da Água, e Lindomar Terena, do Conselho Terena.
Petrella chamou atenção para o fato de o poder político estar muito fragmentado, enquanto o poder real está cada vez mais concentrado. Em contraposição a outras falas que chamaram atenção para o poder de ações locais articuladas em grande escala para o estabelecimento de novos paradigmas, Petrella defendeu a importância de ações globais para combater a crise que afeta a humanidade. “É preciso sair dessa prisão ideológica em que somos todos sujeitos, mas não temos mais poder. Não somos mais senhores do nosso destino”.