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O avanço da democracia social, no decreto de Dilma

Por Luis Nassif, no Jornal GGN

Quando Dilma Rousseff atropelou quinze anos de luta pela inclusão de crianças com deficiência na rede pública, ignorou os avanços que permitiram atender a 800 mil crianças pelo Ministério da Educação, desprezou a resolução da Meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) – que mantinha a obrigatoriedade do ensino regular às crianças com deficiência – e pressionou pessoalmente senadores da base aliada para mudarem o texto, privilegiando a política segregacionista das APAEs (Associação de Pais e Alunos de Excepcionais) confesso que bateu um desânimo profundo em relação ao seu governo. 

Não existe nada de mais republicano na vida de um país do que a construção social, aquelas pequenas sementes de modernização que, plantadas, começam a germinar, vão gradativamente conquistando corações e mentes, vencendo pelo poder dos argumentos os interesses estratificados, até se tornarem políticas públicas.

Foi o que ocorreu com a educação inclusiva, tema tão relevante quanto o da saúde – outra bandeira negligenciada por Dilma em seu apoio anacrônico ao confinamento de doentes mentais.

Foi uma luta árdua, que passou pelo convencimento inicial do ex-Ministro da Educação Paulo Renato, pelo trabalho decisivo de Fernando Haddad, pela criação de Secretaria no âmbito do MEC que representa dignamente a bandeira. Tudo isso culminando em um dos grandes feitos sociais da década – pelo visto, completamente ignorado por Dilma: o atendimento de 800 mil crianças com deficiência pela rede pública regular, com apoio pedagógico do MEC, graças ao princípio de tratar a inclusão escolar como direito fundamental da criança.

Dilma atropelou todas essas lutas, a decisão de 800 mil professores reunidos na Conferência Nacional de Educação, o trabalho de quase uma década do MEC, exclusivamente para atender a um pedido pessoal de sua amiga Gleize Hoffmann, pré-candidata ao governo do Paraná, e que temia ser alvo de chantagens emocionais das APAEs – que seu adversário, vice-governador Flávio Arns (PSDB) tão bem sabe manipular. Graças à sua interferência abriu-se a brecha para o absurdo das APAEs – que deveriam atuar como apoio às crianças na rede escolar – também ministrarem cursos regulares, um conjunto de crianças com deficiência excluídas do direito de se integrarem à sociedade.

Foi esse ceticismo que me impediu de apreciar melhor o avanço representado pelo Decreto no. 8.243, de 23 de maio passado, pelo qual Dilma regulamenta a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social.

Dou a mão à palmatória. Se não redime Dilma de seus pecados na área social, ao menos serve de alento. É possível, a partir do decreto, que finalmente se passe a cumprir o preceito constitucional da democracia participativa, e que as decisões das conferências nacionais e das demais formas de participação não sejam mais atropeladas por governantes, como foi o episódio da Meta 4.

As formas de participação

O decreto conceitua, inicialmente, os diversos instrumentos de democracia participativa

conselho de políticas públicas – são instâncias colegiadas permanente, permitindo diálogo entre governo e sociedade civil e participação decisória e na gestão de políticas públicas.

comissão de políticas públicas – são criadas para objetivos específicos, com prazo de funcionamento vinculado ao cumprimento de seus objeivos.

conferência nacional – prevista da Constituição de 1988, são precedidas de conferências municipais e estaduais com participação de todas as instâncias de governo, visando propor diretrizes e ações acerca do tema tratado;

ouvidoria pública federal – instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos;

mesa de diálogo – mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo em episódios de conflito social;

fórum interconselhos – mecanismo para o diálogo entre representantes dos conselhos e comissões de políticas públicas intersetoriais;

audiência pública – mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais;

consulta pública – mecanismo participativo, paz receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu ato de convocação; e

ambiente virtual de participação social – mecanismo de interação social que utiliza tecnologias de informação e de comunicação, em especial a internet, para promover o diálogo entre administração pública federal e sociedade civil.

A implementação da política

O ponto central do decreto foi o de definir uma estratégia de ampliação dessa política. Primeiro, instituindo formas objetivas de assimilação dos conceitos pelos órgãos públicos federais. Depois, a possibilidade de apoio pedagógico a convênios com estados e municípios, para ampliar essa política.

Trata-se do mesmo modelo que leva empresas públicas a criarem conselhos de consumidores. Daí meu espanto com o alarido promovido por jornais como o Estadão, afirmando que esse tipo de participação desmoraliza os legítimos representantes do povo: deputados e senadores eleitos pelo voto popular.

Compete ao Congresso aprovar leis; ao Executivo definir as políticas públicas. A criação de conselhos participativos significará uma outra forma de controle sobre o setor público. É preciso falta de informação e excesso de ideologia para confundir os propósitos dessa maneira. Ou o Estadão, de repente, tornou-se defensor da participação dos políticos na gestão pública, no aparelhamento da máquina, nos acordos espúrios da nossa democracia de coalizão?

Além de definir as condições mínimas para o funcionamento de cada instância participativa, o decreto impõe a democracia participativa a todos os órgãos e entidades da administração federal direta e indireta. Define a necessidade de conselhos paritarios, da ampla publicidade das medidas e formas de acompanhamento da implementação das sugestões levantadas.

Cada órgão deverá elaborar relatórios anuais sobre a maneira como atuou. E esses relatórios serão monitorados pela Secretaria-Geral da Presidência da República.

Será um trabalho árduo, de construção, de vencer os interesses estratificados na máquina pública, os acordos políticos. A peça central será a fiscalização dessas políticas pela opinião pública, através das redes sociais.

PS – Pessoal, ajudaria na discussão deixar de lado chavões sobre decretos. Ou ao menos entender o que se está escrevendo.

Decreto é espúrio quando avança sobre matérias do legislativo, como criar obrigações. Quando é para organizar a casa (isto é, o Executivo) decreto é o instrumento de que dispõe a Presidência. Não existe outro. E esses decretos visam unicamente organizar o sistema de decisões do Executivo, através da regulamentação da lei que criou a política, conforme lembra o Assis Ribeiro.

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