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Pokett Nery e Jujuba do Samba relembram momentos importantes das suas carreiras e lamentam esquecimento da tradição

Por: Brenda Gomes

Via: Agência Mural

Desde a infância, Pokett Nery, de 51 anos, não sossegava enquanto não conquistasse destaque nas rodas de samba que frequentava. A paixão e a perseverança da considerada matriarca do Samba Junino em Salvador são retratadas no curta metragem “Pokett Nery – Rainha do Samba Junino”, lançado no último dia 30 de abril. 

“Me viram dançando no Engenho Velho de Brotas e me convidaram para fazer um filme sobre a minha vida, claro que eu aceitei. Enquanto estava gravando, passava um outro filme na minha cabeça. Não esqueço as coisas ruins e nem as coisas boas que passei”, diz Pokinha, como é conhecida popularmente. 

Mulher trans, ela relembra com orgulho os primeiros passos no samba. “Fui para um festival e fiquei pedindo ao menino para me colocar como atração, já que no dia não tinha rainha, até que ele me colocou para dançar. Fui para o Samba do Morro, no Alto da Bola, e fiz a mesma coisa. Ali me tornei rainha e estou lá há 28 anos.”

Apesar de ser um espaço predominantemente masculino, a diversidade de gênero sempre foi uma questão importante dentro das apresentações e ensaios dos Sambas Juninos, festas que reúnem os grupos de sambas em algumas regiões da cidade nesta época do ano. 

Defensora da bandeira de resistência no meio, Pokett chegou a ser homenageada por seu protagonismo. “Quando o Samba Junino virou patrimônio cultural, ganhei um tamborim de ouro. Aquilo foi uma satisfação tão grande. Meu trabalho foi reconhecido em um momento tão importante para quem segue essa tradição.” 

O filme, produzido pela produtora Obá Cacauê, foi contemplado pelo Prêmio Jaime Sodré de Patrimônio Cultural, da Fundação Gregório de Mattos, e está disponível no canal do Youtube da produtora.

Para Fabíola Aquino, produtora-executiva e roteirista do documentário, é importante destacar a capacidade dos personagens de transversalizar o samba junino com o universo LGBTQIA+, levando em consideração suas bandeiras de luta e o protagonismo dentro do samba. 

“Acredito que esse filme pode abrir espaço maior para toda a comunidade, porque além de Pokinha, traz outra personagem trans, que é a Jujuba. Acho que é uma conquista do filme trazer esses personagens com essa carga dramática, ao mesmo tempo, dentro de uma narrativa leve, com pontos de humor e falando de coisas sérias”, diz Fabíola. 

Jujuba, ou Jaynne Luíza dos Santos, 30, é rainha do Samba Junino do grupo Zumbaê. Também apaixonada pelo ritmo desde criança, a empreendedora conta que já chegou a fugir de casa para participar dos ensaios que aconteciam no bairro do Engenho Velho de Brotas, onde nasceu e reside até hoje.Não tem coisa melhor na vida do que você ser reconhecida por onde passa. Ser respeitada pelas pessoas”, diz Jujuba

“Quando minha mãe não se animava muito, eu esperava dar o horário de dormir e colocava um urso de pelúcia coberto com um lençol em minha cama e saia escondido para sambar. Desde pequena podia perceber o quanto aquilo mexia comigo”, conta.

Ocupando o posto de majestade há mais de 18 anos, Jujuba tem orgulho ao falar sobre a sua representatividade e trajetória marcada por preconceitos combatidos com muito samba no pé.

“Encaro a minha presença dentro do samba como um direito de ocupar o espaço que eu quiser. O Zumbaê foi o primeiro lugar que me deu oportunidade de me apresentar, antes era muito difícil encontrar espaço” diz Jujuba. 

“Ser rainha é poder mostrar meu dom para todos. Sei que eu inspiro outras mulheres trans, assim como eu fui inspirada por quem veio antes de mim.”

As dificuldades de Jaynne e Pokett estão além da cena do Samba Junino. Sem empregos fixos, as duas têm feito ‘malabarismos’ para se manterem. Enquanto Jujuba optou por trabalhar com a venda de artigos religiosos para adeptos das religiões de matriz africana, Pokett conta com a ajuda financeira da mãe. 

“O samba me deu muitas alegrias, mas infelizmente nunca pagou minhas contas. Hoje eu preciso da minha mãe de 88 anos para me manter. Além de não poder trabalhar, porque tenho que cuidar dela, na minha idade é muito difícil conseguir alguma coisa”, diz Pokinha.

Mesmo com as dificuldades, Jujuba não deixa de sonhar e atribui isso a luta da mãe, dona Lígia Maria, 71, que criou quatro filhos sozinha. “Minha mãe é minha fortaleza. Eu só tenho força porque ela acredita em mim e no meu trabalho. E consigo sonhar em sair em uma escola de samba carioca, vestida daquele jeito. Só falta o convite”, afirma sorridente.“Encaro a minha presença dentro do samba como um direito de ocupar o espaço que eu quiser”

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É A TRADIÇÃO DO SAMBA

O movimento do Samba Junino, ou Samba Duro, como é conhecido por alguns, tem origem estimada na década de 80 e ainda mantém viva a tradição dos desfiles e ensaios pelas ruas dos bairros Engenho Velho de Brotas, Federação, Garcia, Nordeste de Amaralina, dentre outros, geralmente entre os meses de março e junho. 

Desde 2018 é considerado Patrimônio Cultural de Salvador. Entretanto, com a chegada das novas tendências musicais tem perdido espaço.

“Hoje é muito difícil você encontrar crianças ou adolescentes que se interessem pela história do Samba Junino. As pessoas mais antigas sentem falta daquele festejo aqui no Engenho Velho. Eram muitos festivais e visitas de outros sambas aqui, hoje é muito difícil qualquer coisa do tipo”, conta Jujuba.

Atualmente os grupos de samba já não são tão numerosos quanto no passado e nem possuem exatamente as mesmas características musicais e cênicas. Durante a pandemia a dificuldade para manter este movimento se agravou ainda mais. Além da festa, a não realização dos festivais também interfere na circulação de renda dentro da comunidade. 

“Basta ter um ensaio que as pessoas se mobilizam, não só pelo lazer, mas pela possibilidade de fazer negócio também. Muitas pessoas vendem bebidas e comidas típicas durante a época, o samba gerava recurso para o bairro. Antigamente, tinham pessoas que esperavam o ano todo por esse momento”, finaliza Jujuba. 

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