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Entre cobranças por mecanismos formais de participação no Itamaraty e mobilizações como o plebiscito contra a Alca, em 2002, sociedade civil brasileira busca influenciar política internacional no Brasil e em fóruns internacionais

Por Nana Medeiros

ONUPara representantes da sociedade civil, as experiências de participação social no campo da política externa estão diretamente relacionadas aos interesses e influências internas que podem ou não democratizar as tomadas de decisão em negociações internacionais. A partir disso, organizações vêm buscando incidir no desenvolvimento de uma política externa mais participativa, exigindo maior diálogo e novos espaços integrados de debate que realmente consolidem suas propostas.

Segundo Iara Pietricovsky, membro do colegiado de gestão do Inesc, a política externa sempre foi entendida erroneamente como assunto do Ministério das Relações Exteriores e da Presidência. No entanto, novos espaços se abriram para sociedade civil, buscando um maior debate sobre cooperação internacional e política externa.

“É uma questão de repartição de poder, de reconhecer que a sociedade civil, em sua diversidade de sujeitos políticos, deve entrar na disputa. É preciso abrir mão do poder vigente para outros entrarem, acessarem e definirem o sentido do desenvolvimento e das políticas que queremos”, afirma.

Pesquisa lançada em 2011 pela Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR), afirma que durante o governo Lula, entre 2003 e 2010, houve uma ampliação da participação “da cooperação internacional às políticas de integração regional, passando por políticas setoriais de mulheres, indígenas, afro-descendentes, juventude, meio ambiente, educação, cultura, agricultura familiar, economia solidaria, entre outras”.

Segundo o documento, a sociedade civil estaria bem representada em órgãos como, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por organizações empresariais e sindicais, e em reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial do Comércio (OMC), Fórum Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e Mercosul.

Na mesma linha, a pesquisa “Arquitetura da Participação”, realizada pelo Inesc e Instituto Pólis em parceria com o IPEA, mostra que durante oito anos do governo Lula foram realizadas 74 conferências que contaram com a participação de mais de 12 milhões de pessoas, sendo destas 70% representantes da sociedade civil. Destes eventos, foram computadas 14 mil propostas aprovadas.

No entanto, ainda que o governo tenha aberto espaços para discussão, Pietricovsky avalia que estes fóruns são esvaziados pelo caráter meramente consultivo, estabelecendo uma “perigosa distância entre a existência de tais mecanismos e a ausência total de realização dessa participação”, afirma.

Pietricovsky critica o fato de os conselhos serem concentrados em pautas sociais e não abordarem também questões políticas, econômicas, tributárias, entre outras. “Há um limite para a sociedade civil organizada, já que outros atores possuem poder para definir o rumo das políticas. A mídia, o setor religioso e o setor privado possuem uma capacidade de pressão maior, que vai além desses conselhos”.

Na opinião de Alessandra Nilo, diretora da Abong Pernambuco, é importante olhar a política externa pensando também na conjuntura interna, uma vez que muitos limites colocados em negociações internacionais estão relacionados com aqueles colocados na própria política que o Brasil implementa internamente.

“O Brasil não poderia defender, por exemplo, que o objetivo de saúde dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável fosse pautado em cobertura universal, pois aqui trabalhamos com o ‘acesso’ universal. Por outro lado, o país não vai defender a descriminalização do aborto enquanto internamente as mulheres continuam sendo presas por abortarem. Ou seja, esse diálogo entre a política interna e externa precisa ser permanente para que haja coerência”, acredita.

Para Nilo, em vários processos da política externa brasileira têm existido maior abertura para a sociedade civil. A construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é um exemplo. Desde setembro de 2013, a (ONU), em consenso com governos e instituições, definiu uma nova agenda de metas para o desenvolvimento global, a Agenda Pós-2015. Como parte principal deste processo está a definição dos ODS, que substituirão as Metas do Milênio criadas no ano 2000. Neste contexto, a sociedade civil brasileira disputa espaço para tentar pautar junto ao governo questões fundamentais para o avanço do país no desenvolvimento sustentável e na proteção dos direitos humanos.

Para ela, ainda existem poucas organizações da sociedade civil buscando uma apropriação das negociações e debates internacionais. Por outro lado, em relação a alguns temas, há uma busca contínua por acompanhamento e incidência nas negociações, como no caso dos direitos das mulheres, saúde, LGBT e algumas áreas específicas do comércio.

Alguns grupos, como o GR-RI (Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais) e Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos), iniciativas da própria sociedade civil, buscam maior incidência, inclusive discutindo a possibilidade de criação de um Conselho de Política Externa.

O que falta, na opinião de Nilo, são canais formais de participação e diálogo em âmbito nacional, que influenciem nestes processos intergovernamentais. “Não há uma cultura na diplomacia brasileira de inclusão da sociedade civil. Isso varia de diplomata a diplomata. Às vezes encontramos negociadores/as extremamente atentos à sociedade civil, pois sabem que trazemos uma expertise de campo, informações e perspectivas que, muitas vezes, os/as diplomatas não têm. Por isso é importante, além de estabelecer um canal formal, provocarmos também os espaços possíveis para diálogo”, afirma.

Exemplo positivo de incidência da sociedade nas discussões externas, para Iara Pietricovsky, foi a mobilização realizada em 2002 contra a participação do Brasil na ALCA (Área Livre de Comércio nas Américas). Na época, 10 milhões votaram em Plebiscito organizado por mais de 100 entidades.

Para ela, estamos vivendo agora uma época de redução e compressão dos direitos econômicos, sociais, culturais e políticos, negando as conquistas alcançadas até o final dos anos 90, uma época em que, segundo Pietricovsky, “havia espaço para pensar o marco de direitos em meio a um mundo liberal”.

“O mundo está bastante conservador e esse é um dos grandes problemas das negociações. Há uma ascensão da visão mercantilista, uma busca do setor coorporativo, mantendo o ‘business as usual’ [‘negócios de sempre’, em tradução livre] e excluindo direitos das minorias, do meio ambiente, entre outros, para justificar o conservadorismo”, afirma.

Para Nilo, esse é o maior risco na agenda atual: a força do capital privado, que domina cada vez mais as discussões dos ODS. “Por isso, quanto mais organizações estiverem prestando atenção ao debate, melhor”.

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