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Na Marcha de Abertura do Fórum Social Temático, entre bandeiras de movimentos, uma delas se repetia e era levantada nos caminhões que acompanhavam a mobilização: “não ao golpe”. No segundo dia de Forum, em Porto Alegre, a carta do impeachment foi colocada na mesa para debate. Em um Araújo Viana de plateia cheia, representantes de cinco partidos falaram sobre o tema: “Democracia e desenvolvimento em tempos de golpismo e crise”.

A mesa reuniu o senador Roberto Requião (PMDB-PR), Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Valter Sorrentino, vice-presidente do Partido Comunista do Brasil (PC do B), Roberto Amaral, ex-presidente do Partido Socialista do Brasil (PSB), Carlos Michelis, da Fundação Leonel Brizola Pasquilini e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Gilberto Leal, do Movimento Negro e Paulina Muñoz, membro da Aliança Internacional de Habitantes (AIH), do Equador. A mediação da mesa ficou a cargo de Carina Vitral, da União Nacional de Estudantes (UNE) e de Rogério Pantoja, da Central Única de Trabalhadores (CUT).

Rui Falcão fez uma análise dos dois governos petistas e das dificuldades enfrentadas por Lula e Dilma em seus mandatos. Falcão defendeu que o governo avance em pautas que foram negligenciadas nos dois governos – como a taxação de fortunas, a lei dos meios de comunicação, “o pleno reconhecimento da união homoafetiva” e convocação de Constituinte – mas pediu união da esquerda contra o golpe, que seria o processo de impeachment.

“O que está em jogo hoje é a questão democrática. Surgiu diante dos nossos olhos o embrião do Estado de exceção dentro do Estado de direito”, disse ele dirigindo suas críticas também ao sistema judiciário e a chamada “teoria do preposto”, que puniria partidos por crimes dos políticos de seus quadros. “Por isso, precisamos de mais força, mais lutas, para além dos partidos e centrais sindicais”.

O presidente nacional do PT também fez críticas a Eduardo Cunha (PMDB), sem mencionar o nome do deputado e atual presidente da Câmara. Falcão disse que nas manifestações atuais reconhecia dois tipos de pessoas: aquelas que se importavam em manter direitos conquistados e um segundo. “Esse, aqueles que foram coniventes com a corrupção e agora se mostram como guardiões da moralidade pública. São sonegadores e agora se mostram como guardiões da moral”, afirmou. Assim que ele seguiu a fala, se referindo ao “mandatário mantido no cargo, ainda que tenha contas no exterior”, o público levantou um coro de “Fora Cunha”.

O senador pelo PMDB, mesmo partido de Cunha e do vice-presidente Michel Temer, Roberto Requião, convidou os presentes a acompanhá-lo em uma “gênese da crise”. Ele colocou como principal responsável de todas as crises enfrentadas pelo Brasil a intervenção estrangeira: “As razões estão, entre outros fatores, da nação como um todo reconhecer a intervenção estrangeira e de se proteger contra isso”. O paranaense disse ainda que “não se pode esquecer o que o governo Lula fez pelos mais pobres”.

O senador se manifestou abertamente contra o impeachment. “A tese do impeachment é uma coisa absolutamente ridícula. Porque nada mais fez o governo do que pegar dinheiro em um caixa e colocar em outro caixa para suprir programas sociais”, afirmou. Para Requião, se há alguém que foi enganado neste processos foi “o capital estrangeiro”, não o povo brasileiro.

O senador também disse que o processo nasceu de “uma disputa política e insana movida a ódio”. Ele criticou a intolerância que tem dominado os debates políticos no país. “A missiva propaganda conservadora tem produzido hordas de linchamento virtual (…) É muito fácil manipular as pessoas que são levadas pelo ódio e pela ignorância”, defendeu.

A fala de Requião foi acompanhada por gritos de “Fora Beto Richa”, referência ao governador do Paraná, vindos da plateia.

A Frente Brasil Popular e uma chamada ao PDT

O representante do PDT na mesa, Carlos Michelis, colocou os problemas da educação como principal causa da crise política do país. “Os desafios do momento podem ser outros, mas a causa primeira, os elementos fundante de uma sociedade estão na educação”, analisou ele.

Michelis lembrou também de Leonel Brizola, líder trabalhista fundador do PDT, primeiro partido da presidenta Dilma. Brizola construiu mais de 6 mil escolas enquanto governador do RS e seguiu com essa política no governo do Rio de Janeiro. “Precisamos resgatar esse compromisso com o ensino público, porque nenhuma nação se reergue de um golpe se não tiver consciência”, disse sem fazer referência direta ao impeachment.

Roberto Amaral, um dos fundadores do PSB que se afastou do partido após o apoio a Aécio (PSDB) nas eleições presidenciais de 2014, cutucou Michelis. Falando sobre a Frente Brasil Popular e seu papel na defesa do mandato do governo – para Amaral “a principal alternativa de resistência contra o fascismo” – ele disse que o movimento “espera pelo PDT”. “Nosso projeto é a construção da Unidade Popular Brasileira”, afirmou o socialista se referindo ao partido de Salvador Allende, nos anos 1960, no Chile.

Amaral disse ainda que o clima atual é pior do que aquele que antecedeu o golpe militar de 1964. “Vou dizer uma coisa que talvez espante – porque eu vivi 64 – mas hoje vejo forças piores do que 64. Naquela época eram apenas os militares, hoje a direita está na sociedade civil”.

Ele também creditou a atual conjuntura política do país “a emergência das massas”. “A direita latino-americana aceita quase tudo, conquanto não venham com conquistas populares e desenvolvimento da cidadania”, afirmou. Amaral defendeu ainda que o impeachment é a “menor das ameaças” pela frente. “Mantido o mandato da presidente, ou vencidos nós e vencedores eles, a onda de direita permanecerá. Não se contentarão com a deposição de Dilma e não se contentarão com a destruição do PT”.

O vice-presidente do PC do B, Valter Sorrentino, fez coro ao chamado pela união de partidos, contra o que chamou de “escalada reacionária”. “A opinião do PC do B é de que isso deve nos fazer permanecer  unidos. Nada deve nos separar. (…) A baliza fundamental para a esquerda brasileira neste momento deve ser não retroceder”, disse ao microfone.

Sorrentino, no entanto, não se furtou à críticas a política adotada pelo governo no segundo mandato de Dilma. “O ajuste foi imposto pelas condições reinantes, mas isso não está na gênese dos acontecimentos. [Joaquim] Levy [ex-ministro da Fazenda] não conhecia a palavra ‘retomada do conhecimento’”, criticou. O comunista defendeu ser necessário “um novo programa e nova formulação estratégica”, especialmente no enfrentamento aos juros.

Movimentos e América Latina

A mesa que discutiu o impeachment e a crise também teve participação de um representante de movimentos sociais. A base de luta que ainda pode ajudar a presidente. Gilberto Leal, do movimento negro, ressaltou que neste momento de “efervescência da luta política” é hora de os movimentos reforçarem “a ação cotidiana” e “retomarem exemplos em lutas do passado” como a Revolta da Chibata.

“Tem papel fundamental neste desafio os elementos da sociedade civil organizada”, disse ele. “Para enfrentar o genocídio da população negra nenhum passo atrás. Contra golpismo e cassação de direitos, nenhum passo atrás”.

No final da conferência, Paulina Nuñez, membro da AIH, usou seu espaço para “denunciar o que se passa no Equador”. Segundo ela, a Constituição de 2008 – construída por movimentos sociais – está sendo despedaçada no país.

“Exigimos que façam uma consulta popular, exigimos isso nas ruas e não conseguimos”, contou. Os direitos das mulheres, de acordo com ela, estão entre os mais afetados. Organizações de atendimento a mulheres voltadas a direitos sexuais e reprodutivos sofreram cortes. A saúde passa por um processo de privatização, ainda que haja hospitais, não há médicos. Lutas sociais também estariam sendo criminalizadas. “Somos terroristas, somos processados, muitos estão presos”.

Por fim, Paulina disse que estava no Fórum Social, onde a América Latina construiu o não à ALCA, para fazer “um chamado ao mundo para conhecer a realidade de seu país”.

Fonte: Fórum Social Porto Alegre

Fonte da foto de ilustração: EBC 

 

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