Com maior parte dos municípios brasileiros sem recursos e com diminuição de repasses do governo federal, políticas públicas de habitação podem ser reduzidas ou extintas
Por Kaique Santos, do Observatório
A grave crise política e econômica contribuiu para a falta de dinheiro dos estados e principalmente dos municípios neste ano de 2016. Dependentes de repasse de recursos do governo federal, as prefeituras fecharão o ano com os cofres vazios. E com isso, elas cortam e reduzem despesas com serviços indispensáveis para a população. No caos que vive o Brasil, direitos previstos na Constituição Federal de 1988 serão afetados. Entre estes, o de moradia.
De acordo com Benedito Barbosa, dirigente estadual da Central de Movimentos Populares de São Paulo (CMP-SP), a PEC 55 – que tramitou com o número 241 na Câmara e é conhecida entre os críticos como “PEC do Fim do Mundo” – contribui mais ainda para agravar a situação financeira dos municípios. “A situação é desastrosa. [A PEC] Vai congelar recursos nas áreas sociais, até mesmo recursos obrigatórios. Tem um impacto enorme nos municípios. Após o golpe, a Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida [maioria das famílias no programa, com renda de até dois salários mínimos] está praticamente extinta. E já existe mais o financiamento e não o crédito subsidiado. A PEC 55 atinge quem mais precisa dos recursos”, denuncia.
“Quem vai pagar são as famílias de baixa renda. Isso representa retrocessos de mais de 30 anos”, concorda Maria das Graças Xavier, coordenadora nacional da União Nacional de Moradia Popular (UNMP).
Outro exemplo de política pública em risco é o auxílio aluguel. O auxílio é um benefício concedido em alguns municípios para famílias que tiveram suas residências desapropriadas por viverem em áreas de risco, para a realização de obras públicas ou por determinação judicial. O valor é definido pelo Conselho Municipal de Habitação.
Com a falta de repasses da União, Benedito diz que o auxílio também pode ser prejudicado. “No Rio de Janeiro, por causa da Copa do Mundo, muitas famílias foram removidas. Parte destas famílias recebia o auxílio aluguel. Agora não se sabe. Em São Paulo, muitas famílias já perderam o auxílio porque foram para os programas de urbanização. Mas a próxima gestão preocupa.”
Especulação imobiliária
A especulação imobiliária é o principal motivo da quantidade enorme de imóveis abandonados no país. Colocando na balança, existem mais imóveis vazios do que famílias sem moradia, segundo estudo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para combater a especulação, existe na Constituição o conceito de Função Social da Propriedade, que estabelece que um imóvel deve ter uma função ou pode ser desapropriado.
Na prática, no entanto, esse mecanismo não funciona. Segundo Benedito, a causa é que os interesses dos empresários do setor imobiliário se sobrepõem à legislação. “A Lei da Oferta e da Procura é um problema que temos. Uma coisa é o que diz a lei e outra são os interesses do setor imobiliário, que muitas vezes não são controlados”, explica. Isso leva a uma valorização sem controle dos preços dos imóveis, que acaba expulsando famílias de baixa renda. “Existe uma financeirização do território. As lógicas vão além do que acontece no Plano Diretor, nas leis orgânicas”, destaca.
São Paulo
Para sociedade civil, a situação de São Paulo é agravada pela vitória de João Dória (PSDB) para a prefeitura. No início de dezembro, entidades já entregaram um conjunto de propostas para próxima gestão. Dória, que venceu a eleição com um discurso em que diz ser um “gestor, e não um político”, já anunciou propostas de privatização de espaços públicos.
“Quando a pessoa vem do meio empresarial, não teve contato com movimentos populares, aguardamos o diálogo. Vamos colocar muita pressão, fazer manifestações e ocupações para cobrar políticas que dialoguem com os movimentos”, afirma Maria das Graças se referindo ao prefeito eleito de São Paulo, que anunciou que vai propor convênios com igrejas e ONGs para ajudar pessoas em situação de rua e suprir a falta de abrigos municipais.
O dirigente estadual da CMP-SP também preza pelo diálogo, mas garante que não vai faltar luta. “Tem que ouvir o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê Pop Rua), as entidades e os movimentos para saber o que pensam sobre esta proposta. Esperamos que tenha solução concreta”, alerta, sem deixar de destacar que já há um ato marcado para o próximo dia 25 de janeiro, quando a cidade faz aniversário, na Praça da Sé.
(Foto Quadrado Destaque: Agência Brasil)