Debate promovido pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio do Inesc, reuniu representantes de diversas organizações para discutir os rumos do país após um ano do golpe institucional
O golpe institucional que retirou Dilma Rousseff da Presidência da República, substituindo-a por Michel Temer, completou um ano nesta segunda-feira (17/4). De lá para cá, parece que uma nuvem de gafanhotos tomou conta do poder, destruindo parte da estrutura do Estado de Bem-Estar social prevista pela Constituição de 1988. E se nada for feito para estancar essa sangria, mais direitos serão retirados. Quais são os caminhos possíveis para impedir novos ataques à democracia e aos direitos dos brasileiros? Como a sociedade civil organizado pode agir para equilibrar as ações? E afinal: qual democracia o Brasil quer? Essas e outras questões fundamentais guiaram os participantes do debate realizado ontem (segunda-feira, 17/4) no Museu da República no evento A Democracia Que Queremos, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio do Inesc e outras instituições.
O mote do encontro foi discutir a democracia brasileira em seu atual estágio, a partir do olhar das mulheres, negros e povos indígenas. Para Lucia Xavier, representante da ONG Criola e Articulação de Organizações de Mulheres Negras do Brasil (AMNB), e uma das palestrantes, é preciso haver um novo pacto, radical e amplo, em que toda a riqueza do país seja usada para reduzir as distorções entre a população. “Queremos compartilhar, mostrar nossa capacidade de construir os pilares da sociedade.” E para isso, afirma Lucia, a participação das mulheres negras no processo é imprescindível. “Sem elas, continuaremos vivendo numa democracia branca. E vocês não sabem o tanto que ela é ruim.”
Mais de 100 pessoas participaram do debate realizado ontem no Museu da República, que teve transmissão ao vivo online pela Mídia Ninja – veja o vídeo completo aqui.
Nas falas dos palestrantes – Lucia Xavier (Criola e AMNB), Sonia Guajajara (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulo Rubem Santiago (professor da UFPE) e Romi Bencke (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – Conic) -, e também dos demais que pediram a palavra, a certeza de que povos, matizes e gêneros da população brasileira querem mais voz e participação dos processos de decisão política no país.
Lucia Xavier (ONG Criola)
“O movimento negro tem a agenda política mais antiga do País. Desde o nosso primeiro ancestral brasileiro lutamos por liberdade, por respeito e por oportunidades. O debate sobre a questão racial é um termômetro, pois fala sobre representação, classe social e educação. Queremos compartilhar, mostrar nossa capacidade de construir os pilares da sociedade. Enquanto mulheres negras não forem parte do processo, viveremos em uma Democracia Branca. E vocês não sabem o tanto que ela é ruim.”
Paulo Rubem Santiago (professor UFPE)
“Os governos democráticos e populares eleitos a partir de 2002 não foram capazes de abalar as oligarquias brasileiras presentes no Congresso Nacional. A disputa entre Economia e Democracia foi gradativamente desequilibrada, favorecendo as elites financeiras que hoje retiram direitos da população. Estamos em um momento em que as questões voltam ao solo fértil do debate para que possamos traduzir para o povo as consequências dessas reformas empreendidas pelo governo Temer.”
Sonia Guajajara (Apib)
“A ‘Constituição Cidadã’ veio com o objetivo de remover todo o entulho autoritário legado pela Ditadura Militar e os povos indígenas acreditaram nos dispositivos voltados para as suas demandas. Precisamos unificar a luta, afinal somos todos indígenas. Hoje o ódio é incitado por figuras públicas, parlamentares, que não se envergonham de manifestarem todo o seu preconceito.”
Romi Bencke (Conic)
“Há um ano uma presidenta legitimamente eleita foi deposta em nome de Deus. No Brasil, nota-se uma instrumentalização da Política pela Religião e vice-versa. O fundamentalismo e o conservadorismo não andam isolados. A Religião não pode ser absoluta, somente em consonância com os Direitos Humanos. Existe mais espaço para o ódio do que para a compaixão, basta perceber a permanência da intolerância religiosa em nossa sociedade, em especial àquelas de matriz africana, que perpassa pelo racismo.”
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Na terça e quarta-feira (18 e 19/4), os integrantes da Plataforma promoveram reflexões sobre os cinco eixos da proposta de Reforma do Sistema Político:
– Democracia Direta
– Democracia Representativa
– Democracia Participativa
– Democratização dos Meios de Comunicação
– Democratização do Sistema de Justiça
“Precisamos formular questões que possam não apenas questionar/tensionar a institucionalidade que temos mas que sejam capazes de criar novas institucionalidades democráticas”, afirma José Antonio Moroni, do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Para Moroni, um dos principais obstáculos à criação de novas institucionalidades é o monopólio do Congresso para fazer a reforma política. Não há praticamente mecanismo algum de soberania popular para se fazer transformações quando o Congresso não quer e o povo quer – com exceção da iniciativa popular, que é um instrumento limitado e que não pode propor mudanças constitucionais.
“Em outras palavras, temos um sistema político que não é alicerçado no poder popular, e sim no poder econômico. E, em termos de poder político, a base está nas oligarquias, tanto as velhas como as novas. Além disso, temos um Congresso dominado por bancadas com interesses particulares e de seus grupos de interesse, inviabilizando que se tenha uma discussão aprofundada sobre o tema. Os congressistas pensam em seus próprios interesses e de seus grupos, e não em qual o melhor sistema político para atender aos interesses do povo.”
Fonte: Inesc