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Vislumbro que o próximo período, em qualquer hipótese, será de ampliação das lutas sociais pela esquerda ou pela direita; os movimentos sociais deverão ser intensificados e, com isso, a crise não irá cessar

Por Mauri Cruz(*), no Sul21 

O que mais tenho pensado é sobre a necessidade de nos prepararmos para depois das eleições. Primeiro porque as eleições, por si, não tem o poder de estancar a crise política, institucional, econômica, social e ambiental na qual o Brasil está envolvido. Segundo porque, independente de quem vença o pleito, o outro lado não irá reconhecer esta vitória e a instabilidade deverá seguindo como a tônica.

Institucionalmente, as eleições não irão resolver a crise porque, caso o campo democrático e popular tenha sucesso e eleja a chapa Lula/Haddad/Manu o outro lado, em especial, Bolsonaro e os setores anti-petistas não irão reconhecer a vitória e seguirão apostando numa ruptura político/institucional com apoio de setores militares, do mercado, em especial do sistema financeiro, e da grande mídia, que veem na nova agenda do PT uma grande ameaça aos seus interesses ou diríamos, seus privilégios.

Caso Lula/Haddad/Manu não vençam as eleições e seja eleito Bolsonaro, a crise certamente irá se aprofundar porque, neste caso, uma projeto ultraconservador, autoritário e antidemocrático irá ascender ao Palácio do Planalto com uma agenda de confronto direto com as causas sociais e com a própria democracia. Sem Lula na chapa, esta hipótese é uma possibilidade real, vide as ultimas eleições municipais que elegeram Dória em São Paulo, Crivella no Rio de Janeiro, ACM Neto em Salvador e Marchezan em Porto Alegre. Mais ainda porque ele mantém um discurso anti-sistêmico ganhando a simpatia de uma grande parcela da juventude que não vê na política tradicional e na esquerda institucional uma opção real aos seus interesses.

Se, por outro lado, a vitória for de Alckmin, Marina ou Ciro, também não há qualquer previsão de estabilidade política porque estas opções não apresentam uma mudança essencial na agenda golpista. Não devem revogar a Emenda Constitucional 95 que congela os gastos sociais, não irão revogar a reforma trabalhista e irão manter na agenda a reforma da previdência, ou seja, tendem a seguir com a agenda neoliberal, com nuances para um lado ou para o outro. Esta agenda neoliberal irá aprofundar a crise e a instabilidade política e institucional.

Soma-se a isto o fato de que, se a chapa Lula/Haddad/Manu não vencer as eleições, será a esquerda e os movimentos sociais que não irão reconhecer o resultado eleitoral porque é evidente que o impedimento de Dilma, uma presidenta legitimamente eleita e que não cometeu qualquer crime de responsabilidade, foi injusto e ilegal e que, posteriormente, a prisão política de ex-Presidente Lula e o impedimento de sua participação nas eleições também representa uma ruptura com o estado democrático de direito num cenário onde a esquerda teria certa a vitória nas eleições. Esta ilegitimidade deverá ampliar e radicalizar as lutas e movimentos sociais na defesa de direitos, aprofundando a crise institucional.

Dito isso, qualquer resultado eleitoral nos indica que, pós eleições, a instabilidade deverá seguir forte. Isto, no contexto brasileiro onde há uma série de tensões que seguem como verdadeiros fios desencapados prestes a estourar curtos-circuitos. Um deles é a violência e o extermínio da juventude negra e de periferia que se reflete no crescente número de assassinatos, na intervenção militar no Rio de Janeiro, na crise da população carcerária e a falta de controle público sobre os presídios e o crescimento do crime organizado; Outro fio desencapado é a escalada da concentração de renda nas mãos do sistema financeiro resultado da absurda taxa de juros que sufoca o orçamento de toda população pobre e de boa parte dos setores produtivo nacional; Há ainda os temas das crises ambientais que estão alterando rapidamente o clima no país e gerando emergências em todos os meses do ano, em especial, nos grandes centros urbanos; Há a questão das terras indígenas e quilombolas que aprofundam as crises em vários estados; a recessão econômica resultado da estratégia de venda e sucateamento do estado brasileiro e a aposta na venda do patrimônio nacional; tudo isto impacta na fragilização do estado brasileiro, seja em âmbito federal, estadual ou municipal que, sem poder e nem recursos, não paga salários, abandona setores e serviços essenciais e fragiliza ainda mais a crença na democracia.

Soma-se a isso as profundas transformações econômicas mundiais na lógica de produção e acumulação capitalista, com uma revolução tecnológica onde a chamada “inteligência artificial” substitui de forma acelerada os seres humanos em várias etapas dos processos de produção e mudam as formas de acesso ao consumo de produtos e serviços necessários para a reprodução da vida humana. Esta revolução tecnológica impacta o mundo inteiro e, em especial, é a base das crises da América Latina, resultando na crise dos refugiados venezuelanos, na crise econômica da Argentina e do Paraguai, e nas crises nos demais países da América Latina que, de uma forma ou de outra, impactam nas agendas políticas e econômicas e sociais do Brasil.

Frente a este contexto de profunda instabilidade a questão é: como se preparar para o próximo período histórico? Quais as escolhas estratégicas acertadas para a luta contra a barbárie e em defesa de uma sociedade democrática, justa e sustentável?

Para pensar o futuro é preciso reconhecer quem somos e de onde viemos. Somos as gerações que tiveram o privilégio de lutar contra a ditadura e vencer. De lutar pelo direito de todas e todos os brasileiros elegerem o/a presidente/a da república e vencer. Lutar pela construção de uma constituinte democrática e de defesa de direitos, pela criação do SUS, pelos direitos econômicos e sociais dos e das trabalhadoras, por políticas públicas, pelos direitos das mulheres, das negras e negros, das/os quilombolas, dos povos indígenas, pela participação social através de conselhos, conferência e, em alguns casos, do orçamento participativo e termos saídas/os vitoriosas/os, pelo menos em parte, em muitas destas lutas. Temos, ou tínhamos, uma experiência vitoriosa nas lutas democráticas.

Só que esta agenda ocorreu em um cenário do que denominamos de Nova República onde, boa parte da classe política, independente de seu espectro ideológico, apostava na luta política institucional. Aparentemente este cenário foi alterado com o impedimento de Dilma, com a prisão política de Lula e, como refletimos acima, tende a ser aprofundado com o resultado eleitoral.

Vislumbro que o próximo período, em qualquer hipótese, será de ampliação das lutas sociais pela esquerda ou pela direita. Os movimentos sociais deverão ser intensificados e, com isso, a crise não irá cessar. Se a esquerda vencer, os movimentos sociais serão pela direita para desestabilizá-la e jogar o país praticamente numa guerra civil com apoio do poder econômico financiando a instabilidade. Se a centro-direita ou a extrema-direita vencer, os movimentos populares irão ampliar suas lutas e agendas que serão reprimidas violentamente pelos governos sob controle da direita, da mesma forma, aprofundando a crise.

Em qualquer cenário nos parece que a chave da resistência está na organização e no poder local. Em qualquer hipótese quem tiver capacidade de organização e adesão da base da sociedade terá maior capacidade de enfrentamento e de apresentar saídas efetivas.

E, para isto, os movimentos sociais populares e os partidos de esquerda tem uma tarefa urgente que é se reconectar com as agendas imediatas do povo brasileiro. Estar ao lado de suas lutas concretas e imediatas. A prioridade das agendas institucionais, entre elas o foco nas vitórias eleitorais, tem sido uma dispersão nas energias do campo democrático e popular, nos afastando do lugar efetivo da luta de classes que está nas frentes concretas do enfrentamento com o grande capital. Estas frentes de lutas são, por exemplo, a questão ambiental e seu conflito direto com o agronegócio, os agrotóxicos, os megaprojetos e a devastação ambiental que tem com contraponto a agenda indígena e quilombola, a agroecologia e a agricultura familiar; a questão da renda do povo, do aumento do salário mínimo, da redução da jornada de trabalho e da renda mínima que tem contra si o sistema financeiro com seus juros astronômicos; as questões urbanas que colocam de um lado a cidadania que quer direitos de moradia, de mobilidade, de saneamento, de ar puro, de alimentos saudáveis e de sustentabilidade e de outro os grandes oligopólios econômicos que detém o poder sobre as cidades e excluem a maioria da população de usufruí-la.

Isto não significa ignorar a agenda institucional. Pelo contrário, significa submeter as apostas institucionais a sua real capacidade de incidir na inflexão para a solução dos reais conflitos da luta de classes. Ganhar eleições sem a capacidade de resolver ou alterar estes conflitos não é uma opção que deve nos interessar.

A questão é que, a agudização do cenário de conflito social que se avizinha, se os movimentos sociais populares e os partidos de esquerda acordarem entre si quais as agendas que unificam e qual o locus real da luta de classes, pode significar o inicio uma nova etapa de unidade e de fortalecimento do projeto democrático e popular no Brasil. Isto, sem abandonar a agenda democrática, a defesa dos direitos políticos e sociais de todos os segmentos.

É preciso pensar para depois das eleições para que, no dia seguinte, já saibamos o que devemos fazer, como campo político, como classe, como povo que segue lutando por sua libertação.

(*) Advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade, mobilidade urbana e direito das OSCs. Membro da Diretoria Executiva da Abong.

(Foto: Mídia Ninja)

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